Quando terminou o primeiro mandato do atual governo? Para uns, terminou na virada do ano calendário e, desde então, o governo estaria trabalhando a pleno vapor em seu segundo mandato. Para outros, o primeiro mandato, na prática, ainda não terminou: apenas parte do governo está em férias e a outra parte está “esperando Godot”, como na extraordinária peça de Beckett.
Já para outros, o primeiro mandato do atual governo começou a terminar em 2005 quando José Dirceu, seu virtual primeiro-ministro (“capitão do time”, na expressão do presidente Lula), foi forçado a sair de cena, e terminou em março de 2006 com a saída do ministro Palocci, que desde o final do ano anterior já não vinha tendo o mesmo apoio que lhe dera Lula desde o início, em particular na área fiscal. A partir daí, o governo entrou em campanha e passou a se preocupar essencialmente com o resultado das eleições de outubro.
Deixo ao eventual leitor escolher, dentre as conjecturas acima, a que lhe pareça mais apropriada. Ou qualquer outra, não importa. O que importa é que estamos claramente numa paradoxal fase de transição política - de Lula I para Lula II - que se prolonga há meses. Nestes intervalos, ou nestes vazios políticos em que o velho (o primeiro mandato, o Ministério antigo) ainda persiste, sem muita ação, e o novo (o segundo mandato, o novo Ministério, a nova direção do Congresso) ainda não surgiu, é que costumam aparecer, ou se acentuar, certos riscos que estaremos correndo nestes próximos quatro anos. Riscos derivados de excessos de complacência e - talvez - de excessos de voluntarismo.
Em 21 de novembro de 2006 disse o nosso presidente: “Eu vou me dedicar, até o dia 31 de dezembro, a destravar o País. Ou seja, tem algo, e não me pergunte o que é, que eu ainda não sei, e não me pergunte a solução, que eu não a tenho, mas vou encontrar, porque o País precisa crescer... me deixe trabalhar que eu vou pensar direitinho no que eu vou fazer.” A declaração foi feita sob um calor de quase 40 graus, na pista do Aeroporto de Barra dos Bugres, a 190 km de Cuiabá, o que talvez explique a pressa do presidente em se desvencilhar da imprensa.
Mas o fato é que em 1º de janeiro de 2007 o mais alto mandatário da Nação, em seus discursos de posse, fez um genérico apelo por pressa, ousadia, imaginação e criatividade - e saiu de férias, como vários de seus ministros. A demanda presidencial por urgência, ousadia e imaginação, não deve haver dúvidas, gerará sua própria oferta, e expectativas de que as sugestões ofertadas venham a ser não só levadas em consideração, como efetivamente implementadas. Afinal, o objetivo de todos não é mudar, acelerar, crescer e incluir? Não é para deixar para trás a “mesmice” do primeiro mandato, como chegou a sugerir o próprio presidente, semanas após haver censurado dois de seus ministros por terem anunciado o fim da “era Palocci” e de certas preocupações “neuróticas”, como, por exemplo, com a inflação e o crescimento vertiginoso do gasto público corrente?
É exatamente nestes momentos de grande euforia dos que se vêem no início de uma segunda nova era de mais quatro anos de poder à frente, em que farão outras “grandes coisas”, que mais necessário é o debate público - que, felizmente, temos. E, no governo, o concurso daqueles que são capazes de aliar prudência ao sentido de propósito e à eficiência na ação operacional do setor público. Para a qual a retórica político-ideológica não é, e nunca será, substituta adequada.
Meu último artigo neste espaço tinha no título a expressão “espaço para errar”. Um espaço permitido pelo fato de que 2007 será o quinto ano consecutivo de extraordinário desempenho da economia mundial (e, portanto, de melhoria de nossas contas externas); pelo fato de que a inflação está controlada (como em geral esteve desde o lançamento do Real); e pela percepção de que teríamos uma situação fiscal sob controle, e que, portanto, haveria espaço para aumento continuado dos gastos correntes do governo como proporção do PIB (aumento já decidido para 2007 e incerto adiante). Isto significa menos investimento público e menos investimento privado do que poderíamos ter, e, portanto, menor probabilidade de alcançar uma taxa mais alta de crescimento.
Mas, assim como há espaço para errar, há espaço para corrigir erros e espaço para acertar. Assim como há ousadias irresponsáveis (como estamos vendo em alguns países da região), pode - e deve - haver responsabilidade de estadista na ousadia. Esta última, hoje, sugeriria aproveitar o extraordinário vento a favor proveniente do resto do mundo - enquanto este durar, e não será para sempre - para avançar mais no “destravamento” da economia brasileira.
Destravar a economia brasileira não é, definitivamente, algo que se possa fazer com um plano elaborado em um par de meses. Embora este possa ajudar se tiver clareza sobre o que o Brasil hoje está a exigir: maior redução de barreiras ao investimento privado e maior eficiência operacional do setor público em todas as suas ações, inclusive nas que envolvem clareza, estabilidade e previsibilidade do contexto regulatório na área de infra-estrutura.
Destravar a economia brasileira hoje significa, sim, tentar avançar em novas rodadas de algumas reformas: tributária, previdenciária e trabalhista - o que só ocorrerá se o presidente achar, como deveria, que isto é importante para o crescimento e exigir que seus ministros e sua base no Congresso se empenhem nesta tarefa com coragem, ousadia, imaginação e criatividade.
O presidente Lula não precisa deixar de lado o espírito da declaração de Barra dos Bugres, tampouco o apelo que tão bem expressou em seu discurso de posse. Mas, como dizem os chineses, ajuda muito o decidir sobre o que fazer quando há convicção - e acordo sobre certos princípios básicos. E não se ignoram os riscos de excessiva complacência.
Entrevista:O Estado inteligente
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