Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, janeiro 08, 2007

O último da fila - Paulo Guedes




O Globo
8/1/2007

Em 2000-2001, o desabamento das bolsas e o colapso de investimentos em novas tecnologias e telecomunicações. O Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, aciona então a mais poderosa alavanca econômica do planeta. Derruba as taxas de juro para 1% ao ano, avisando que o faria por considerável período de tempo.

Sob o risco de deixar escapar o demônio das expectativas inflacionárias, lá trancafiado por duas décadas, o Fed abriu os portões do inferno. Disparou o efeito-riqueza por meio da ressurreição das bolsas e do big-bang da bolha imobiliária. Exacerbou o consumo e zerou a poupança. Criou uma tsunami de liquidez global. Encharcou de álcool o dragão chinês, que já cuspia o fogo do crescimento. E incendiou os preços de energia e de matérias-primas.

Esse aquecimento global foi muito bom para o Brasil. A bem-sucedida campanha de combate à deflação, com juros extraordinariamente baixos por tempo suficientemente longo, impediu uma colossal crise financeira e a repetição da tragédia da Grande Depressão. E o preço foi moderado. Um "empobrecimento" dos americanos, amplo, geral e irrestrito, porém sutil, pela dissolução contínua do valor do dólar diante das demais moedas.

Surpreendentemente até mesmo para os europeus, o euro tornou-se a moeda mais forte da nova e exuberante economia global. E o "empobrecimento" foi imperceptível para os americanos comuns, pois declaram campeões mundiais os praticantes locais de esportes que só eles disputam.

Inaugurando nova campanha, desta vez de aperto monetário, para recapturar e enjaular o demônio inflacionário, o Fed puxou de volta sua temível alavanca, de 1% em 2004 para 5,25% em 2006. A remoção gradual das condições de liquidez excepcionalmente acomodatícias em busca de uma aterrissagem suave é uma operação de enorme complexidade. A sincronização dos mercados financeiros globais aumenta o risco de turbulência e caos durante o processo.

A interrupção da alta de juros foi uma pausa para avaliação da campanha restritiva do Fed, não seu encerramento. Mas os mercados acionários dispararam nos meses finais de 2006, decretando especulativamente não apenas o sucesso da aterrissagem mas também a queda iminente dos juros.

Pois bem, entramos em 2007 com a reafirmação do Fed de que prossegue o esforço de contenção. Desabaram então as bolsas, o euro, o ouro, o cobre e os metais, o petróleo e as demais matérias-primas, sincronizados ao som das trombetas do Fed. Enquanto durar sua campanha, o diabo está solto.

E o Brasil? Até agora, estávamos travados na direção certa. Mas acumulam-se nos últimos meses sinais preocupantes de que podemos destravar na direção errada. Os mercados em queda sugerem, como no ditado popular, que o diabo sabe para quem aparece. Ou, como adverte panfleto anônimo do século XVIII: "O diabo sempre pega o último da fila."

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