O quadro preocupante de inundações, deslizamentos, mortes e desabrigados no Sudeste e o agravamento da seca no Nordeste trazem à memória algumas advertências dos últimos anos. Em 2002, na Cúpula do Desenvolvimento Sustentável em Johanesburgo, o presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), Rajendra Pashauri, entrevistado pelo autor destas linhas, disse: “O Brasil tem de se preparar. Vocês já estão sofrendo e sofrerão mais com inundações mais freqüentes, secas mais intensas e dificuldades progressivas no abastecimento de água, principalmente nas grandes cidades.” Dois anos depois, na reunião da Convenção de Mudanças Climáticas, em Buenos Aires, a Organização Meteorológica Mundial fez igual advertência, lembrando até que o País já tivera o primeiro furacão registrado em sua história. Em dezembro último, foi a própria ONU que advertiu (Estado, 15/12/2006): “A agricultura brasileira continuará a sofrer o impacto de secas e mudanças climáticas em 2007”, lembrando que em 2006 a seca já levou a uma queda de 11% na produção de soja.
Nada disso deveria surpreender, portanto. Nem nos apanhar desprevenidos. Estudo recente coordenado pelo professor José Antônio Marengo Orsini, do Centro de Previsão e Estudos Climáticos (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), deixou claro, ao traçar cenários futuros, que as mudanças climáticas poderão afetar a agricultura, a saúde humana, a produção de energia elétrica, as cidades. O previsível - num “cenário otimista” - é um aumento da temperatura média em 2 a 3 graus Celsius em quase toda a faixa litorânea e boa parte do interior do Brasil, e de até 6 graus na Amazônia; num “cenário pessimista”, uma larga faixa “que abrange as principais capitais do Brasil estaria sujeita a temperaturas médias anuais de até 4 graus Celsius mais altas”; no Amazonas, a alta poderia chegar a 8 graus.
Todas as pessoas deveriam ler esse estudo e se perguntar o que devem fazer. Não podemos continuar com o atual quadro, em que menos de 100 dos mais de 5.500 municípios brasileiros têm algum sistema de defesa civil, quase sempre apenas o Corpo de Bombeiros. Ainda mais porque, como lembra o professor Masato Kobiyama, do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina (Fábio de Castro, Agência Fapesp, 18/12/06), “nossos sistemas de previsão do clima e inundações precisam ser aperfeiçoados, são insuficientes”. Na sua opinião, cada cidade deve ter um sistema de monitoramento e alerta, precisa de radares meteorológicos capazes de avaliar a situação de minuto em minuto. A Coordenação da Defesa Civil de São Paulo, diz a notícia, “tem sistemas precários em termos quantitativos” (três radares meteorológicos em São Paulo, Bauru e Presidente Prudente, sem integração); já o polígono para avaliação do clima na cidade de São Paulo, com 38 quilômetros em cada face, “não sabe com precisão em que bairros e avenidas vão cair as chuvas fortes”.
É óbvio que é preciso mudar. E, da mesma forma, é preciso rever com urgência padrões de construção de rodovias, pontes, bueiros, cabeceiras de pontes, redes de drenagem. A cada temporada de chuvas fica mais evidente que os padrões antigos já não são suficientes para a carga que têm de suportar com as chamadas chuvas de convexão, que trazem um volume alto de água em períodos curtos de tempo.
“O clima precisa ser prioridade para o novo secretário-geral da ONU”, afirmou há poucos dias Yvo de Boer, secretário da Convenção de Mudanças Climáticas, chamando a atenção do novo titular das Nações Unidas, Ban Ki-moon. Já o ex-secretário-geral Kofi Annan, poucos dias antes de deixar o cargo, disse que os céticos em relação a mudanças climáticas “estão fora de compasso, fora da discussão do nosso tempo”.
Mas quem são os céticos? Em seu documentário An Inconvenient Truth, o candidato derrotado à Presidência dos Estados Unidos, Al Gore, diz que, numa amostra de mais de 900 estudos científicos escolhidos aleatoriamente no mundo todo, nenhum deles põe em dúvida que as mudanças climáticas já estão acontecendo. Já em outra escolha aleatória em 600 artigos da comunicação mundial, boa parte levantava dúvidas - refletindo, segundo ele, a influência dos setores de produção de energias poluentes.
As discussões vão-se intensificar. A Europa está propondo um novo corte nas emissões dos países industrializados. As pressões internas sobre o governo dos Estados Unidos, para que mudem sua posição, também são a cada dia maiores.
O Brasil precisa rever as suas posições, dar ao tema a prioridade e o destaque que precisa ter. São muito fortes as pressões para que os países “em desenvolvimento” - principalmente a China, o Brasil e a Índia - aceitem compromissos de reduzir suas emissões, porque é nesta faixa de nações que ocorrerá o maior aumento, com o maior uso de energia nas próximas décadas .
Temos uma matriz energética relativamente privilegiada, com apenas um terço das emissões geradas pelos setores de transportes e industrial, que mais usam combustíveis fósseis. Mas dois terços das nossas emissões se devem a mudanças no uso do solo, desmatamentos e queimadas, principalmente na Amazônia. Como quarto maior emissor de poluentes, o Brasil deveria aceitar compromisso de reduzir suas emissões proporcionalmente ao aumento da concentração de poluentes na atmosfera que tenha sido de sua responsabilidade. Seria justo e necessário. Também precisa cuidar dos sistemas de previsão e de defesa civil. Nos últimos dias, noticiou-se inclusive o contingenciamento de parte dos recursos federais para essa finalidade.
É inacreditável.