Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 12, 2007

CELSO MING Olho gordo


Não são apenas os fatos que merecem análise. Às vezes até não-fatos, quase-fatos ou enfáticos desmentidos merecem avaliação. Aqui vai um caso desses.

Quarta-feira o governador José Serra negou que pretendesse cobrar royalties das usinas de açúcar, conforme o blog do prefeito do Rio, César Maia, havia divulgado. O interesse especial do governador por uma arrecadação extra é um não-fato ou, quem sabe, um ex-futuro-fato.

Royalties são rendimentos cobrados por uso ou exploração de direitos de terceiros. Podem ser devidos na exploração de recursos minerais ou de patentes, fórmulas, marcas ou direitos autorais. Deixo para juristas, doutores-data-venia e rábulas as especificidades da legislação.

A coceira por cobrança de royalties tem aumentado no Brasil porque alguns Estados e municípios estão tirando enorme proveito de receitas obtidas a título de participações governamentais ou royalties pela exploração de petróleo ou minério de ferro. No ano passado, somente a Petrobrás deve ter pago à União, Estados e municípios a bagatela de R$ 16,5 bilhões. Apenas para comparar, a arrecadação de IPI pela União em 2006 não deve ter passado de R$ 28 bilhões.

Embora sejam empresas de capital aberto e, portanto, obrigadas a dar conta de suas finanças, Petrobrás e Vale do Rio Doce escondem os números sobre distribuição de participações governamentais e royalties. Querem livrar-se do assédio de prefeitos e governadores, como José Serra.

A Constituição determina que os recursos minerais existentes no solo e no subsolo são propriedade da União, o que garante participação do governo nos resultados da exploração desses recursos. Esses resultados são partilhados com Estados e municípios. Assim, o que gera as receitas de royalties de petróleo, gás ou minério de ferro não é o teor energético do produto, mas o fato de se tratar de minerais.

Não faria sentido exigir royalties pela produção de álcool sob alegação de que há degradação das condições de produção, como está (ou esteve) escrito no blog do prefeito César Maia. Fosse assim, prefeitos e governadores já estariam arrancando royalties de qualquer vaso de samambaia ou, até mesmo, de matagal nascido em roça abandonada.

É verdade que a cultura da cana-de-açúcar já ocupa mais de 15% das terras agricultáveis do Estado de São Paulo, área que deve se ampliar substancialmente, graças à enorme procura por álcool, aqui e no exterior. Nesse processo, a cana vai tomando o espaço de culturas também tradicionais, como as da laranja, do café, do milho e a pecuária.

Mas não dá para dizer que esse imenso canavial esteja devastando o ambiente ou desempregando gente. A cana é uma das culturas que mais empregam pessoal, cerca de 130 mil trabalhadores só no Estado de São Paulo.

Mais paradoxal ainda, é o fato de ser uma lei estadual a que esteja obrigando agricultores e usineiros a aumentarem a mecanização da colheita de cana a fim de reduzir a poluição atmosférica produzida pela queima da palha de cana. O resultado imediato da colheita mecânica é o aumento do desemprego.

Qualquer cultura agrícola, florestal ou pecuária exerce algum impacto, na medida em que concorre ou concorreu para desmatamento, alteração ambiental, desemprego e tal.

É só deixar os ecoxiitas soltos que inventam coisa. Grupos europeus da seita, por exemplo, pregam a proibição de importação de carne do Brasil porque, argumentam, o metano liberado com os gases intestinais do gado contribui para aumento do efeito estufa. São capazes de exigir cobrança de royalties dos pecuaristas a título de indenização pelo estrago na calota polar.

E imagine o que poderá acontecer quando a produção de biodiesel atingir as proporções do álcool. Se esse tipo de motivação for levado às últimas conseqüências, a cada venda de trator ou colheitadeira haverá de se tascar algum royalty. Ou, se for devido em qualquer produção mineral, um dia vão querer a derrama de novas taxas sobre produção de água mineral, de calcário (para produção de cimento), de argilas (para tijolos e outras cerâmicas) e até de areia para construção.

Enfim, tem muito olho gordo nisso. Se é verdade que os do governador Serra estejam voltados para outra direção, como seus desmentidos querem fazer acreditar, aguardem as novas pressões de governadores (outros) e prefeitos. Eles adoram arrecadar. Especialmente se a dinheirama chega com um nome bonito como esse: royalty!

Arquivo do blog