Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Míriam Leitão - Visão capixaba


Panorama Econômico
O Globo
4/1/2007

O governador Paulo Hartung enfrentou, no Espírito Santo, um caos na segurança, com rebelião nos presídios e queima de ônibus ao mesmo tempo. Teve ajuda do governo federal, e acha que isso foi decisivo. Que ajuda pode dar um pequeno grupo de oficiais de vários estados que tem o pomposo nome de Força Nacional de Segurança? Hartung explica que não é pelo número de efetivo, mas pelo fato de pôr junto as forças do Estado brasileiro contra o nosso pior problema atual: a violência e sua conexão com as drogas e o tráfico de armas.

A Força Nacional de Segurança começou com 200 homens; hoje é muito maior. Nada, perto do tamanho das polícias civis e militares. Foi com desdém que o ex-governador Cláudio Lembo falou da ajuda federal. Mas Hartung, que tem a experiência de ter saído da crise com o auxílio do governo, acha que Lembo estava errado:

- O Rio não pode abrir mão de nenhuma ajuda, e o Brasil não pode abrir mão de agir contra o crime.

Na sua visão, o Rio é uma oportunidade para o governo federal.

- Politicamente, o Rio é que tem de trazer o governo federal para enfrentar o problema da segurança na Região Sudeste. Não se tem como enfrentá-lo sem o governo federal, porque o que está envolvido é o contrabando de droga e armas. Precisa-se das Forças Armadas, da Polícia Federal, da Inteligência. Não é pela dimensão da tropa, é pela simbologia; não é pelo número de efetivos, é pela qualificação do pessoal.

A experiência que ele teve foi boa, segundo afirma, pois concluiu que é um grupo de elite, de vários estados, treinado para enfrentar problemas metropolitanos.

- A Força Nacional, na verdade, somos todos: dela fazem parte capixabas, baianos, pernambucanos, o que tem de melhor em cada estado. Não vai substituir, nem poderia, a Polícia Civil ou a Militar, mas vai trazer o governo como sócio do problema.

Na visão do governador do ES, o Brasil sempre teve preconceito com o tema:

- Nossa geração, que enfrentou a repressão, achava que não podia tratar do assunto. Só recentemente a academia começou a estudar o problema. O governo federal ficava no jogo de empurra, dizendo que, pela Constituição, não era com ele. Nisso, perdemos dez anos e o problema cresceu.

Um dos maiores especialistas da academia sobre o tema, o sociólogo Gláucio Soares, do Iuperj e do blog Conjuntura Criminal (conjunturacriminal.blogspot.com), acha que mais importante que saber o que é hoje a Força Nacional é tentar saber o que ela pode vir a ser:

- Ela surgiu da experiência bem-sucedida da força enviada ao Haiti que foi comandada pelo general Augusto Heleno Ribeiro. Numa situação de desmoronamento, foi uma força de emergência que conseguiu reduzir o conflito e a criminalidade. A primeira turma era de pouco mais de 200, mas há outros sendo treinados. Ela nunca poderá substituir as forças policiais, mas pode ser o caminho para mais parceria entre os governos. Tem que haver mais parceria entre a Polícia Federal e as polícias estaduais, com uso de recursos como escuta inteligente. Quando o Espírito Santo estava desmoronando, ela foi lá e ajudou.

Entendido assim - não como uma força de substituição, que não teria mesmo cabimento pela dimensão dos efetivos -, a Força Nacional de Segurança pode vir, sim, a fazer uma mudança no quadro.

Hartung lembra que, quando houve o caso do ônibus 174, no Rio, o país se deu conta da gravidade da situação, e o governo Fernando Henrique fez o Plano Nacional de Segurança:

- O Plano era bom, mas não saiu do papel, em parte, porque, dentro do próprio governo federal, havia muita dúvida se ele deveria ou não participar. No governo Lula, continuou a mesma idéia de que era assunto dos estados. Durante um tempo, a elite paulista achou que o problema estava localizado no Rio. Hoje todos sabem que não é um problema do Rio, é do Brasil, e enfrentá-lo, em todas as suas conexões, é fundamental para o país.

Paulo Hartung acha que a crise deve ser enfrentada em clima de "mutirão nacional":

- Ninguém pode ficar à parte. O governo federal tem que entrar nisso com toda a sua força; os estados, os prefeitos das grandes cidades não podem ignorar o problema; a Justiça tem que entender o seu papel; o Congresso tem que participar, principalmente, melhorando a lei de execuções penais. Há trabalho para todos.

Ele acredita que não basta usar palavras fortes - como chamá-los de facínoras, que, de fato, são os que fazem coisas como queimar pessoas vivas presas em ônibus -, mas é fundamental entender a dimensão do que está em jogo, como a juventude capturada pelas drogas e pelo tráfico e o próprio futuro do país.

O governador capixaba tem razão. Tudo isso vai muito além até do que temos pensado. O sofrimento vivido pelos passageiros daquele ônibus - dos que morreram e dos que ainda lutam contra as queimaduras - deve ter sido tão avassalador que não há outra coisa que o Brasil deva fazer que não refletir sobre a dimensão da tragédia para saber como evitar a sua repetição. Não será enfrentada com jogo de empurra, nem com disputas políticas ou partidárias. A cada um cabe uma tarefa. É mutirão, como disse o governador.

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