O Globo |
4/1/2007 |
A interferência do presidente Lula no debate sobre os atentados que vêm acontecendo no Rio nos últimos dias, definindo-os como atos de terrorismo e sugerindo até mesmo uma legislação mais rigorosa para combatê-lo, deu uma nova dimensão à atitude dos governantes diante de um problema que já assola o país há muito tempo e que até agora tentava-se minimizar como um problema restrito a certos estados, como Rio e São Paulo. O prefeito do Rio, Cesar Maia, porém, enxerga nessa oficialização da existência do terrorismo um desserviço de Lula, que teria colocado o Brasil no roteiro internacional do terrorismo, quando a ausência dele era um diferencial a favor do país nas disputas para sediar eventos políticos e esportivos do porte do Pan do próximo ano ou a Copa do Mundo de 2014. Reabre assim o prefeito do Rio a discussão sobre as características dos atentados no Rio, como se a definição de terrorismo atraísse mais prejuízos à cidade e ao país do que os próprios acontecimentos. Sua intenção é claramente política, e se poderia dizer até mesmo que, com boa intenção, pretende com isso não prejudicar ainda mais a percepção internacional da cidade e do país. Eu mesmo tive essa reação inicialmente, para tirar dos atos criminosos qualquer tipo de cunho politico que os pudesse justificar. Quando, em 2005, houve a chacina de 30 pessoas na Baixada Fluminense, eu classifiquei o ato de terrorismo. Escrevi então: "Se a situação que estávamos vivendo era comparável a uma guerra civil não declarada, agora passamos a um estágio mais avançado da barbárie, com o uso do terrorismo por parte dos que deveriam cuidar de nossa segurança.(...) Desta vez, chegamos ao paroxismo, o terror puro e simples instalou-se como tática de ação dos policiais que enfrentam a ação repressora do Estado, na figura do comandante do 15º Batalhão, de Duque de Caxias, tenente-coronel Paulo Cesar Ferreira Lopes". Como a ação era de policiais, que deveriam ser os guardiões do Estado, contra o próprio Estado, considerei que a definição de terrorismo era adequada naquela ocasião, e relembrei que o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, se empenhava para que fosse aprovada uma definição oficial de terrorismo que tivesse "uma força moral clara". A partir desse empenho, passou a ser entendido como ato terrorista "qualquer ação que tencione provocar a morte ou causar sérios ferimentos a civis ou não-combatentes, com o propósito de intimidar a população ou compelir um governo ou uma organização internacional a fazer ou a se abster de fazer qualquer ato". A disputa de gangues por seus espaços no crime organizado não me parece que possa ser chamada de terrorismo, mas se os atos no Rio contra representações oficiais de segurança pública - delegacias, postos de bombeiros, cabines de PM - foram ataques de criminosos que identificam no aparato legal o ponto de apoio às milícias que vêm dominando as favelas e as comunidades carentes, delas expulsando os traficantes de droga, antes de termos atos de terrorismo, temos uma subversão total da ordem pública, com as forças de segurança dando apoio a milícias clandestinas. De qualquer maneira, o fato de o presidente Lula ter assumido tão ostensivamente a frente do combate ao que chamou de terrorismo é um momento importante, que tem consequências lógicas irreversíveis. Mais uma vez vou me utilizar de um comentário especial para refletir o imenso interesse que esse debate vem despertando entre os leitores da coluna. O jornalista Alberto Dines, no seu Observatório da Imprensa, ressalta que a afirmação "é inédita, ousada". E destaca que "o problema não é semântico, é político. Combater o terrorismo é atributo do Estado brasileiro. Terrorismo é ameaça à segurança nacional. O governo terá que agir - e agir com energia - mesmo que a opção tenha sido anunciada num arroubo oratório". Dines concorda com a definição de terrorismo, pois para ele "o banditismo é uma forma de luta ostensiva contra o poder do Estado e contra os paradigmas do estado de direito. É, pois, uma ação política inequívoca, mesmo que expressa sem palavras ou manifestos, apenas através da brutalidade". Dines ironiza a situação que fez o presidente Lula tomar uma posição a partir de um debate iniciado pela imprensa, através desta coluna, a mesma imprensa que ele desdenha ao dizer que tentou monopolizar a opinião pública contra ele e a "verdadeira" opinião pública se manifestou nas urnas a seu favor. Além da mudança de atitude do governo federal, também o novo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, assumiu pedindo ajuda da Força Nacional de Segurança e das próprias Forças Armadas, num sinal de que, pelo menos por enquanto, não teremos empecilhos políticos para o combate efetivo ao tráfico de drogas e de armas, seja ele considerado terrorismo ou não. Mesmo que não seja necessária uma nova legislação para combater o crime organizado, como apontam diversos especialistas, será preciso que a famosa "vontade política" faça com que as leis já existentes sejam aplicadas. O Poder Judiciário, que se pronunciou contra mudanças na legislação através do ministro Marco Aurélio de Mello, tem que assumir sua parte nesse combate, tornando a lei dos crimes hediondos mais eficaz, inclusive aumentando a aplicação sua pena máxima, e não se limitando a pequenos ajustes. Um conjunto de situações que envolvem desde o sistema bancário e a lavagem de dinheiro, à atuação dos advogados e a leniência com os presos, permite que a situação de desmando chegue aonde chegou. É a sociedade brasileira como um todo, através de suas instituições, que está sendo ameaçada pelo crime organizado, e tem que reagir em conjunto. |
Entrevista:O Estado inteligente
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