Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Luiz Garcia - Acima do Oiapoque



O Globo
5/1/2007

Discursos de posse não são programas de governo. Estão para a ação de governar como anúncios de produtos comerciais: pouco mais do que promessas de ações e resultados, com mais retórica do que substância. Podem produzir esperanças, mas será ingênuo quem esperar cem por cento de sólidas realizações. Ou 50 por cento. Coerência absoluta, nem pensar: retórica de políticos e realidade raramente se parecem.

De qualquer maneira, o presidente Lula abriu seu segundo mandato com um leque de generalidades enfáticas, recebido com entusiasmo por aliados e críticas dos adversários, o que está perfeitamente dentro do esperado. Para ele, melhor até: um balanço da reação da mídia mostraria que ela não encontrou muito a condenar. Por enquanto, evidentemente.

E ninguém atentou para uma lacuna: Lula nada teve a dizer sobre como vê o papel de sua administração e do país que ele governa em face do resto do mundo. Acontece que o Brasil não é grão-ducado de opereta escondido no miolo da Europa, nem frágil republiquinha africana.

Muito bem que já não se fala mais naquela tolice de brigar por um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, que o Itamaraty chegou a aceitar mesmo sem direito a veto - algo parecido com se contentar com bainha sem espada. Mas temos uma importância no nosso hemisfério que não podemos esquecer por tibieza nem achar que é inabalável em quaisquer circunstâncias.

Fica estranho um presidente brasileiro inaugurar novo mandato sem sequer uma menção à presumida liderança brasileira no continente.

Afinal, que caminho vamos seguir lá fora nos próximos quatro anos? Continuaremos a aceitar o papel de segundo violino na orquestra barulhenta regida pela Venezuela? E como vamos administrar nossos contenciosos com Washington? O que pensamos do Oriente Médio? E da China? Sem definir nosso papel no palco internacional, a promessa de governo contida no discurso de posse fica capenga.

E extremamente importante seria ouvir uma palavra clara sobre como se coloca o Brasil em face do problema ambiental no planeta. A cada dia, são mais evidentes os sinais de que o aquecimento global aumenta perigosamente. O inverno sem neve no Hemisfério Norte é prova eloqüente disso. Em toda parte, a preocupação - melhor dizendo, o medo - não é mais apenas dos cientistas, dos ambientalistas e de outras pessoas sérias que há poucos anos eram denunciadas como alarmistas. É dos governos. E de qualquer cidadão que pare para pensar.

Ninguém ignora que a Amazônia será valoroso obstáculo ao aquecimento, se for protegida e preservada devidamente. O discurso de Lula teria repercussão internacional se incluísse referência clara e firme sobre sua política ambiental.

Isso ajudaria a calar a boca dos que defendem uma intervenção internacional na região. Até hoje, ainda podemos descartar esse perigo como ameaça vazia. Daqui a uns poucos anos, ela poderá estar bem mais pesada.

Enfim, havia oportunidade e espaço no discurso de segunda-feira para Lula também falar do Brasil no mundo. Pelo menos, para que ninguém continuasse achando o Palácio do Planalto perigosamente mal informado sobre o que acontece do Oiapoque para cima, do Chuí para baixo.

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