Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 23, 2007

Míriam Leitão - Pac, Pac, Pacote


Panorama Econômico
O Globo
23/1/2007

O PAC é um vistoso embrulho para empacotar a redução do superávit primário e a prorrogação da CPMF. Tem pontos positivos: organiza a ação do governo, reduz um pouquinho o peso de alguns impostos e lança o segundo mandato. Tem pontos negativos: não corta despesas e não inclui a variável ambiental em nenhum planejamento futuro, e isso em pleno aumento do temor do aquecimento global.

Todo o dinheiro que foi apresentado - os vistosos R$503 bilhões - é, na verdade, uma soma de várias fontes de recursos, de vários graus de incerteza, de dentro e de fora do governo. Para encurtar a conversa, serão investimentos do Orçamento federal de R$67 bilhões, sendo que R$52,5 bilhões virão da redução do superávit primário.

O ministro Guido Mantega, nas contas que apresentou de projeção futura do déficit nominal e da dívida pública, registrou que o superávit continua sendo de 4,25% ao ano até 2010, mas, na verdade, 0,5 ponto percentual de investimento não será contabilizado. O que, na prática, leva a economia do governo para 3,75%.

Isso é grave? Não. Os juros da Selic caíram muito, o que significa que o governo terá menos compromissos com a dívida, apesar de ela ter crescido bastante. O preocupante é a falta de qualquer apetite ou iniciativa para reduzir os gastos do governo, que vêm crescendo a 5% real, ao ano, nos últimos dez anos. O gasto do governo aumenta mais que o PIB, que, no mesmo período, cresceu em média 2,5%. Essa conta não fecha.

O ministro Guido Mantega, durante a apresentação, foi sincero e afirmou que as despesas da Previdência "cresceram de forma explosiva até 2006". De fato, subiram de 5% para 8% do PIB em 10 anos. Se uma despesa subiu assim - e se o ministro acha que a palavra "explosiva" é a melhor para definir a trajetória -, fica difícil entender o resto do gráfico: a despesa, na projeção, estabiliza em 8% do PIB nos próximos quatro anos.

O governo tomou algumas medidas, como a mudança da fórmula de cálculo do salário a ser pago no auxílio-doença. Mudança necessária, mas nada que altere a situação. À tarde, na conversa com alguns colunistas e comentaristas, Mantega não quis nem falar a palavra "reforma" ao se referir à Previdência. Disse que a sociedade precisa debater o assunto. O governo criou um fórum sobre o tema que tem até o fim do ano para chegar a alguma conclusão sobre como resolver o "problema" da Previdência.

- Se não for feita alguma coisa, nos próximos 30 anos, ela vai desandar - disse Mantega.

Gentileza do ministro. Uma previdência de um país tão jovem que tem déficits crescentes já desandou na verdade.

Todas as projeções que Guido Mantega apresentou darão certo somente se o país crescer. O crescimento aumentaria a arrecadação e isso, junto com a queda dos juros, diminuiria o déficit nominal, derrubando a dívida/PIB. Na previsão do ministro, o déficit some em quatro anos (lembram-se daquela idéia de zerar em dez anos que a ministra Dilma Rousseff achou rudimentar?) sem corte de despesas. Apenas com um freio sobre os gastos de pessoal dos três poderes, a manutenção da queda dos juros, e o crescimento de 5% nos últimos três anos do governo Lula e 4,5% este ano.

Mantega acredita que o país vai crescer nesse ritmo porque: o investimento está crescendo o dobro do PIB e vai crescer ainda mais, o crédito está se ampliando e a um custo mais baixo, o consumo está aumentando.

Um único ponto de disciplina fiscal que foi anunciado é o projeto de lei que estabelece o IPCA + 1,5% de aumento anual para as despesas de pessoal dos três poderes. A Fazenda garante que não é inconstitucional, nem fere o princípio da autonomia financeira do Legislativo e do Judiciário, pois o que o projeto faz é mudar um artigo da Lei de Responsabilidade Fiscal que já previa controle nesses gastos.

O problema do PAC é a falta de conversa com a realidade. O governo fala em fortalecer o marco regulatório, quando a Anatel não tem nem diretoria porque o sindicato não aprova os nomes indicados pela ministra Dilma Rousseff. Fala em bilhões investidos em estradas, quando, no primeiro mandato, teve R$30 bilhões da Cide que não taparam os buracos. Conta com investimentos privados em energia, e eles se retraíram nos últimos anos.

Quando o governo apresenta seu projeto para o futuro, há uma falha imensa. Não entra na análise a variável ambiental. O problema não é a medida em si que define as funções de cada instância federativa no licenciamento ambiental, a qual pode organizar melhor o trabalho. O grave é que o meio ambiente aparece apenas como obstáculo, como se fosse sinônimo de burocracia. O mundo inteiro está revendo seus modelos de desenvolvimento exatamente para que os esforços contra a emissão dos gases de efeito estufa estejam dentro do planejamento. Um governo no qual, em quatro anos, foram desmatados 85 mil km² de Floresta Amazônica acha que pode apresentar um slide com linhas cruzando a floresta, indicando estradas e hidrelétricas, sem outro slide, em seguida, avisando sobre os cuidados tomados para evitar a aceleração da destruição.

O presidente Lula fez um discurso breve, lido, com várias referências ao fato de que crescer na democracia é mais difícil e que é fundamental preservá-la. Fontes do governo informam que era uma estocada em quem vive apresentando a China como um exemplo de crescimento. Lula tem razão, o crescimento da China tem vários senões. Um deles, o odioso totalitarismo. O outro erro da China é crescer sem respeito ao meio ambiente.

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