Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Míriam Leitão - Céticos do Rio


Panorama Econômico
O Globo
5/1/2007

O Rio, há muito tempo, parou de acreditar no Rio. A paisagem é bonita, mas, às vezes, inútil. Violência, decadência econômica, fuga de quadros, evasão de empresas, poluição das praias; tudo foi tirando a confiança de quem vive aqui. Chico Buarque diz que, "de vez em quando, há um surto de indignação", depois as pessoas se acomodam. A sensação mais comum é de que amanhã será pior que hoje.

Mas a diferença é que, no Rio, até cético está doido para acreditar. Por isso, fica olhando para o novo governo com uma vontade grande de que ele acerte. Há luzes e sombras, dúvidas e esperanças sobre Sérgio Cabral. Para que lado ele penderá?

Na parte das luzes - melhor falar delas em começo de ano e de governo - está o novo secretário de Fazenda, Joaquim Levy, que entrevistei ontem na Globonews. Levy dá alguns dados mostrando nossas chances:

- O PIB do Rio é 80% do PIB da Venezuela. É quase um país. Teve, nos últimos anos, uma arrecadação extra de R$2,5 bilhões a R$3 bilhões, por ano, com os royalties do petróleo. Não faz muito sentido que se esteja nessa discussão sobre se há ou não dinheiro para pagar funcionário.

A alta do petróleo produziu um salto da arrecadação de royalties. Por ano, eram de R$2 bilhões a R$2,5 bilhões e foram para R$5,5 bilhões a R$6 bilhões. Já o ICMS, que subiu em todos os estados, não subiu no Rio, o que é outro mistério, e pode indicar excesso de renúncia fiscal ou falta de fiscalização. Levy promete trabalhar nesse ponto.

O mais importante é que ele vem com idéias novas para um Rio combalido por oito anos de um governo que foi tão ruim que enfraqueceu os adjetivos usados para criticar maus governos.

Levy acha que o ajuste fiscal é possível, já foi feito em outros estados, e o Rio ainda tem a vantagem de ser produtor de petróleo. O estado produz hoje 80% do que o país consome de petróleo. Mas ele acredita que o ajuste fiscal não pode ser feito como se fosse um fim em si mesmo; é um meio de se atingir outros objetivos:

- As contas têm que estar em ordem para se conseguir desenvolvimento; o projeto não pode fracassar porque as contas estão em desordem.

Levy tem dado um exemplo: o ajuste fiscal precisa ser feito para despoluir a Baía de Guanabara, para melhorar a educação e a saúde do estado. A quem acha que cortar gastos pode ser o oposto do desenvolvimento, pois significa reduzir investimento, ele diz:

- Nem todo investimento está certo. O governador visitou um hospital onde havia um equipamento caro, importado, que custa R$1 milhão, que estava encaixotado. Viu andares construídos no hospital que não estão sendo usados, remédios comprados que estão estragados. Isso foi feito como investimento, mas não melhorou a vida da população.

O investimento se perdeu por falta de gestão e controle. A primeira preocupação, segundo Levy, tem que ser a gestão, pois o estado precisa saber em que e como está gastando e que escolhas está fazendo com o dinheiro do contribuinte. Antes até de cortar, é preciso ter uma visão centralizada do gasto.

Para ele, melhor que trazer uma grande indústria siderúrgica, por exemplo, é criar um ambiente para que prosperem milhares, milhões de pequenos negócios.

- As indústrias grandes que vieram receberam redução de impostos, isso é privilégio. Por que não usar o mesmo dinheiro para que prosperem negócios como produção de software, negócios que usem o conhecimento produzido aqui? O Rio tem muita inteligência, em várias áreas, como nas escolas de gestão empresarial.

Um fator para aumentar a disposição de investir do empresariado é a previsibilidade tributária. Ninguém vai investir sem saber quanto vai pagar de impostos, diz Levy. Por isso o quadro tributário tem que ser estável.

O Rio, bem lembrou outro dia Merval Pereira, não vai se perder por falta de diagnósticos e estudos de possibilidades. A Associação Comercial, de um lado; e a Firjan, de outro, gastaram tempo, dinheiro, neurônios de especialistas, para mostrar todos os erros e oportunidades que o estado tem. Faltou governo para colocar as duas entidades juntas oferecendo esses subsídios ao estado.

Há questões tão angustiantes e problemas de raízes tão fundas que minam qualquer projeto. Um deles é o da segurança, com suas várias tragédias. A última delas, os grupos paramilitares, nascidos dentro do Estado, vendendo a uma população refém a segurança que o governo não consegue prestar. Esse quadro da insegurança solapa qualquer tentativa de se criar um ambiente propício aos negócios.

Mas uma boa gestão pode ser o começo de uma boa caminhada. O Instituto de Segurança Pública negociou, com instituições européias, o financiamento de um estudo sobre vitimização, que melhoraria a qualidade dos dados sobre violência no Rio.

- A pesquisa era boa, os dados são necessários, o dinheiro existia nos organismos internacionais, mas a bagunça administrativa era tanta que o convênio não foi feito - conta o sociólogo Gláucio Soares, não diretamente envolvido na pesquisa, mas que acompanhou o projeto com bons olhos.

Levy veio convencido de que não existe conflito entre choque de gestão, ajuste fiscal, investimento, gasto social, proteção à natureza e desenvolvimento.

Por tudo isso - e porque é verão - os céticos daqui se perguntam: quem sabe o Rio sai desta frente fria?

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