O Globo |
5/1/2007 |
Agora que passou a ficar claro que o Bolsa Família precisa ser reestruturado para ganhar uma dimensão social mais efetiva, perdendo seu caráter assistencialista, recorro a uma conversa com o economista Ricardo Paes e Barros, do Ipea, um dos principais formuladores do programa, para tentar entender o que virá pela frente. O próprio presidente Lula, em seu discurso de posse, mesmo rebatendo as críticas sobre a política social do seu governo - que, segundo ele, "nunca foi compensatória, e sim criadora de direitos" -, prometeu que ela será "cada vez mais estrutural". Frei Betto, o ex-assessor especial de Lula que tem sérias divergências sobre a condução do Bolsa Família, chegando a classificá-lo recentemente de "assistencialista", diz que o segundo governo Lula precisará "apontar a porta de saída do Bolsa Família", e pergunta: "Como as 11 milhões de famílias beneficiárias poderão independer do governo federal e passar a gerar a própria renda?". O diagnóstico é universal: a saída é a melhoria da educação e da saúde, juntamente com programas de inserção no mercado de trabalho. O economista Ricardo Paes e Barros está convencido de que o programa tem que aumentar a sua cobertura: "Para obter impacto sobre a pobreza, mais importante que dar uma receita grande para poucas pessoas é dar uma receita pequena para muitas pessoas", analisa. Por esse raciocínio, o reajuste de 15% que o Ministério do Desenvolvimento Social se prepara para dar aos benefícios, no valor total de R$1,2 bilhão por ano, poderia ser destinado a ampliar a cobertura do programa. O economista do Ipea é realista quando fala dos desvios de alvo freqüentemente encontrados nos cadastros do Bolsa Família: "Não tem jeito, qualquer programa desses vai cobrir um número significativo de famílias não-pobres. Temos talvez 15% ou mais de famílias que não deveriam estar no programa. Isso é muita gente, 15% de 11 milhões são 1,5 milhão de famílias, é muita coisa. Mas programas como esse raramente conseguem uma focalização melhor do que isso". Segundo ele, "é natural que só 80% ou 90% dos benefícios cheguem ao objetivo final". Mas a grande vantagem do Bolsa Família, destaca, "é que ele conseguiu fazer com que 70% dos pobres brasileiros sejam incluídos no programa". Mesmo reconhecendo que o programa tem "bastantes perdas e, portanto, todos os mecanismos, todos os procedimentos devem ser utilizados para melhorar essa destinação", e falando no caráter de "injustiça" que existe em cada pessoa não-pobre que recebe o benefício, Paes e Barros diz que "é importante reconhecer que ele é melhor que o programa do México, e é parecido com os melhores programas chilenos, que têm já uma década de experiência". Além disso, comparado com todos os outros programas que se tentou fazer no país para atender a população pobre, é de longe, segundo ele, o mais bem focalizado: "seguro-desemprego, ticket-restaurante, vale-transporte". Outro ponto importante na análise de Paes e Barros é a discussão sobre o que é melhor, gastar com programas de transferência de renda como o Bolsa Família ou com a educação. "Trocar gastos com o Bolsa Família para aplicar em educação tem que ser estudado com cuidado, depende da situação, ninguém conseguiu provar nada, nem numa direção nem na outra", diz ele, cauteloso. Ele acha que "nas áreas mais pobres do Brasil, onde a escola não tem qualidade, talvez fosse melhor dar o dinheiro do Bolsa Família para o diretor melhorar a qualidade da escola do que dar para os pais colocarem os filhos na escola". Ricardo Paes e Barros acha "provável" que se consiga atrair mais as crianças para a escola aumentando a sua qualidade. "Certamente pode ser verdade em áreas em que a qualidade da escola é precária. Mas acho que em lugares que têm sistemas educacionais tipo Vitória, Florianópolis, as crianças que estão fora da escola estão porque a família precisa de ajuda". Na visão de Paes e Barros, o Bolsa-Família "é um programa tão melhor quanto forem melhores as oportunidades de escolha". Nessa definição, está implícito o objetivo do programa, que serviria para "estimular as famílias a usarem os serviços públicos". Paes e Barros exemplifica: "Se eu tenho boa escola, bom posto de saúde em volta, é uma coisa. Mas é evidente que se o posto de saúde não funciona, não tem os medicamentos, a escola é ruim e o professor não vai lá, é muito difícil você estimular o uso deles, é melhor você usar o dinheiro para melhorar a qualidade dos serviços daquela comunidade". Para ele, é preciso ter "o equilíbrio entre estimular as famílias e melhorar os serviços". Nesse caso, diz ele, "entra uma discussão intertemporal: quanto nós estamos querendo sacrificar as pessoas hoje para que amanhã a gente vá ter menos pobreza?". Para poder investir você tem que reduzir seu consumo hoje. "Em que medida você prefere que os pais das crianças tenham uma vida mais miserável hoje porque você vai investir nas escolas, na educação?". Depende muito da visão da sociedade, avalia Paes e Barros. Para ele, nas áreas mais ricas se gastaria mais com o Bolsa Família, e nas áreas mais pobres, se investiria mais em educação e nos outros serviços públicos, como saúde. "Não adianta eu obrigar o cara a ir para uma escola que não funciona", avalia o economista. Todas essas alternativas estão sendo estudadas dentro do governo, agora que passaram as eleições, e que será possível corrigir os erros para encontrar as famosas portas de saída, sem as quais o programa permanecerá sendo mais assistencialista do que inclusivo. As condicionalidades ligadas especialmente à educação e à saúde terão que ser mais acompanhadas pelo governo, para que o Bolsa Família se torne mais do que uma "máquina de fazer votos", como definiu Frei Betto em recente entrevista ao "Corriere della Sera". |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, janeiro 05, 2007
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