A primeira semana de um novo começo não foi animadora. O novo governo federal parecia velho, e o Congresso continua seu insistente cavar para ver o quanto mais fundo pode ser o fundo do poço.
Nos estados, felizmente, houve momentos de esperança, com governadores tomando decisões e mudando atitudes. A continuidade pode ser boa; a mesmice e a persistência no erro são ruins.
O exuberante começo da nova legislatura americana sob o comando do Partido Democrata foi impressionante.
Uma mulher com o martelo, mudando uma visão de 200 anos, convocou os deputados a fazerem uma legislatura de mudanças.
Nancy Pelosi liderou o projeto de um rolo compressor de 100 horas para aprovação de propostas que o Congresso acha relevantes. Entre elas, há uma que seria muito bem-vinda ao Brasil: a Câmara está iniciando um ataque às relações promíscuas entre lobistas e deputados.
O Senado fará o mesmo.
Propostas simples e importantes, como proibir presentes e viagens pagas por lobistas; qualquer viagem de grupo de parlamentar paga por qualquer instituição tem que passar pelo Comitê de Ética e ter o nome do financiador divulgado. A iniciativa mostra que o Congresso americano aprendeu com os erros dos escândalos da última legislatura e atacou sua origem: a relação entre os lobistas e os parlamentares.
Nosso Congresso não fez, até agora, qualquer movimento para recuperar sua credibilidade, que derrete, um pouco mais, a cada novo evento. O dessa última semana foi o pagamento a suplentes de um mês e de um Congresso em recesso. Por que será que eles receberão auxílio-telefone, correio, gasolina e moradia se está tudo parado por lá? Por que estão tendo salários (ou subsídios) pagos pelo contribuinte? Esta lamentável legislatura termina dando todos os desgostos ao cidadão, e os parlamentares não fazem qualquer movimento para iniciar a próxima etapa demonstrando intenção de mudar regimentos, atitudes e valores. Será que o parlamento brasileiro não percebe os riscos que a democracia corre com a desmoralização dos políticos? Talvez eles estejam muito ocupados com a momentosa contenda entre Arlindo Chinaglia e Aldo Rebelo para pensar em reconquistar o respeito de quem lhes dá voto e lhes paga o salário.
A mesmice do governo federal impressiona, pois revela a imprevidente decisão de perder o melhor momento: a arrancada. É o mesmo governo, mas é outro período administrativo.
O tempo na administração é dividido em períodos e mandatos exatamente para que o poder aprenda com os erros cometidos; mude o que deve ser mudado; troque alguns integrantes do time; confirme a escalação de outros; renove os projetos, compromissos e esperanças.
Recomece.
Com um time de interinos, fritados e demissionários não se fez um recomeço.
Tudo o que esses ministros podem fazer é ir tocando: não podem — nem devem — tomar grandes decisões de projetos que serão executados no futuro.
Por isso, o ar de novidade durou apenas o tempo da posse. Daí para diante, o governo velho parecia ter invadido o novo período administrativo.
No PT, a volta de Ricardo Berzoini é também o sinal de não-renovação. Após o escândalo do mensalão, o PT falou em se refundar. O dossiê mostrou que tudo permaneceu na mesma: dinheiro não contabilizado, transações obscuras, depoimentos falsos. Como Berzoini comandou a refundação que não houve, a sua volta informa que não há intenção de mudança. Na esquerda, aprende-se que o novo nasce do velho; das contradições do velho. Aqui é diferente: o velho envelhece o que deveria ser novo.
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, foi a Nova York falar com a representante comercial americana Susan Schwab. É importante trabalhar para salvar a Rodada Doha, que começou há cinco anos cercada de esperanças e, agora, está empacada. Mas a declaração que ele fez em Nova York ao jornalista Jorge Pontual, sinceramente, mostra o pior lado da mesmice, aquela arrogância do governo Lula de achar que a História começou com eles: “É uma negociação complexa e difícil, talvez porque, pela primeira vez na História, estamos discutindo num pé de igual para igual.
Os países em desenvolvimento estão participando do âmago da negociação.
Então, isso a torna mais difícil.
Mas eu creio e tenho certeza de que ela será, no final, muito mais positiva para nós do que seria ou poderia ter sido em alguma negociação fácil no passado”, disse o ministro.
Qualquer pessoa informada sobre o tema sabe que nunca houve negociação fácil em política comercial.
Que, a cada nova rodada, o mundo tem avançado um pouco mais. Que o Brasil sempre teve papel importante e que veio ficando mais relevante a cada nova etapa desse processo.
É uma declaração que desrespeita todos os colegas do Itamaraty que, no passado, já estiveram à frente de negociações comerciais, inclusive ele mesmo, que atuou nessa área em outros governos, quando as negociações eram, supostamente, “fáceis”.
O G-20 tem um papel relevante na negociação, mas tem contradições internas.
O Brasil quer abertura comercial na área agrícola; forte e ampla. A China e a Índia, não. O que travou a negociação agora não foi o enfrentamento “de igual para igual” entre os países em desenvolvimento e os ricos.
Foi uma briga entre os ricos.
E o Brasil ficou numa saia justa, porque não pôde apoiar a posição mais liberal, que era a americana.
É frustrante ouvir neste recomeço a mesma velha ladainha do “nunca antes”.
Principalmente quando se tem, ainda, uma teimosa esperança de que o novo sempre vença.
Entrevista:O Estado inteligente
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