Eliana Cardoso
Onde estão os homens do rei? O presidente Lula inaugurou o novo mandato sem definir a equipe. Em seguida saiu de férias e deixou a promessa de um pacote no seu retorno a Brasília. Mas nada disse sobre as reformas que podem reduzir nossos custos de transação e, portanto, aumentar o crescimento. Pois elas exigiriam o fim da corrupção e o corte de gastos.
A retórica e a ganância permeiam o jogo político. Bom exemplo é a história enredada de All the King’s Men. Baseado no romance de Robert Penn Warren (premiado com o Pulitzer), o filme recebeu o Oscar em 1949 e uma nova versão em 2006. A primeira existe em DVD e a segunda, que vi em Washington, estará em breve nas salas de cinema de São Paulo. Não se abale: os críticos qualificaram o novo filme como um monte de tomates podres, apesar do desempenho de Sean Penn. Também achei o original de 1949 melhor do que o remake. Assim como acredito que o futuro verá com melhores olhos Lula I do que Lula II.
Mas voltemos ao romance e suas versões cinematográficas. Todos os Homens do Rei envolve o espectador no mundo político dos EUA durante a Grande Depressão. Apesar do excesso de eventos secundários, a linha principal do filme tem a simplicidade de uma parábola. O herói é um político que combina generosidade e vilania, coragem e sede de poder, vulgaridade e brio. Começa sua carreira em luta pelos excluídos e se transforma num governante venal e vaidoso que usa obras públicas para engrandecer-se e corromper os que o cercam. Não conto o final para não estragar o suspense.
O espectador brasileiro saberá apreciar essa tragédia da democracia moderna. E vai perguntar se existem reformas capazes de banir a venalidade e criar um melhor ambiente de negócios. A retórica do presidente no seu discurso de ano-novo consagrou a reforma política. O problema é que para aprová-la o País terá de derrotar “o balcão de negócios que é o Congresso Nacional”. Como fazê-lo votar uma reforma que fere seus interesses?
O presidente falou também que vai multiplicar por dez o investimento no ensino e dedicar 60% desses recursos à melhoria dos salários dos professores. Mas sem a quebra do sindicalismo entre professores o diretor da escola não poderá premiar os bons e punir os faltosos. Um aumento incondicional não lhe dá instrumentos para incentivar os professores a comparecer às aulas e melhorar a qualidade do ensino.
No seu discurso inaugural, o presidente reconheceu ainda a importância da reforma tributária. Mas uma boa reforma teria de cortar alíquotas de forma horizontal, o que exige corte de gastos. Corte de gastos requer uma reforma previdenciária que, no mínimo, conceda pensão do governo somente a quem já completou 65 anos, seja homem ou mulher.
Impossível, diria o presidente, que prefere fabricar pacotes. São embrulhos mais baratos em termos políticos do que uma reforma bem amarrada. Mesmo que a sabedoria popular brasileira ensine que “almoço de graça, de algum jeito se paga”, o ônus de não fazer as reformas fica para futuros presidentes.
A pedra no caminho das reformas é a oposição daqueles que se beneficiam das instituições existentes. Pois, antes de gerar crescimento - a maré cheia que alteia todos os barcos -, o primeiro impacto das reformas é produzir perdas e ganhos.
Uma reforma tributária, por exemplo, redistribui recursos entre diferentes esferas do governo. A introdução de alíquotas iguais para todos os setores e atividades produz melhor alocação de recursos, mas acarreta perdas para quem se beneficia de renúncias fiscais e diminui o poder dos políticos e burocratas que as negociam.
A incerteza a respeito das conseqüências distributivas de uma reforma e a dificuldade de compensar os perdedores são impedimentos importantes na consecução das reformas. Impedimento igualmente grave é a força que os economistas chamam de inércia. Ou seja, o que ocorre hoje depende do que aconteceu ontem. O processo histórico produziu as leis e os costumes que hoje restringem a escolha do caminho futuro. As organizações patronais, os sindicatos e partidos políticos fazem parte da estrutura institucional herdada do passado e lutarão para prevenir que mudanças afetem sua sobrevivência e seu bem-estar. Além disso, a estrutura institucional reflete crenças e atitudes que mudam mais devagar que o aparato formal.
Essa perspectiva é incompleta, pois enxerga apenas um dos lados da história. Não explica como as sociedades - que recusam a autodestruição - evoluem e modificam as instituições e os costumes. Na verdade, à medida que as instituições se tornam disfuncionais e corroem o crescimento, a opinião pública protesta. Mas, por causa dos custos de coordenação, é preciso liderança política na introdução de mudanças.
Com liderança e sorte, coisas acontecem até no Brasil. Apesar dos pesares, aprovou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal. Fizeram-se as privatizações e os telefones passaram a funcionar. Ao vestir a camisa dos Correios e da Caixa Econômica, Alckmin traiu o programa do PSDB, que agora terá de ressuscitá-lo.
Se Lula e seus homens não têm um programa, os governadores podem reativar a pauta reformista, como sugeriu Paulo Hartung, governador do Espírito Santo. A falta de uma estratégia presidencial já vem sendo preenchida pela dos governadores. Ao contrário do presidente que, em 2/1, vetou o redutor de despesas correntes do governo federal, a maioria dos governadores desenhou cortes de gastos e os anunciou no dia da posse.
Chegou a hora de a onça beber água. É possível que a competição entre governadores venha a definir uma agenda de reformas estruturais que destrave o crescimento sustentado. Pois são o jogo entre as instituições e o estoque de conhecimento que determinam as mudanças no ritmo da produtividade e do progresso econômico.
Eliana Cardoso, doutora em Economia pelo MIT, é
professora titular da FGV-SP
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