Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 07, 2007

JOÃO UBALDO RIBEIRO Pé no acelerador

Como creio que já escrevi aqui antes, acho que devemos encarar o entrante ano com otimismo e boa vontade.

Claro, há certas sombras carregadas no presente e no futuro e a posse do presidente, por geral consenso, foi julgada chocha. Bem menos de dez por cento do público que compareceu da primeira vez deram as caras no domingo passado. E, segundo li nos jornais, tiveram que arrebanhar gente para encher o plenário e o auditório do Congresso. E, finalmente, a Natureza chorou, dando vazão a não sei que tipo de sentimento.

De um ponto de vista global, o mundo continua dando sinais de que quer acabar e a Humanidade vem recebendo certos choques. No front ecológico, dizem as gazetas que este será o ano mais quente de toda a História e que o urso-polar está para ser incluído nas espécies ameaçadas de extinção, pois, afinal, se trata de um urso-polar e o pólo norte está acabando.

O pólo sul também, aliás, de maneira que podemos esperar que sumam igualmente os pingüins, as focas e todos aqueles bichos que vemos nos programas da National Geographic.

Se o problema fosse somente que eles são engraçadinhos e simpáticos, seria chato, mas não tão grave.

A questão, porém, é que, sem eles, desanda toda a cadeia alimentar dos oceanos e daqui a pouco acaba não sobrando nada, ou a bicharada marinha sai toda lá de dentro e vem à terra seca comer a gente, ou coisa assim.

No front evolutivo, as notícias para os machos de qualquer espécie, inclusive a que hoje se rotula pavoneadamente de sapiens sapiens — assim repetido mesmo, nós somos sábios sábios — permanecem preocupantes.

Nunca mais ninguém falou nos experimentos que mostraram que as fêmeas humanas podem reproduzir-se sem a menor necessidade de um macho.

Ou seja, nem para zangões vão servir os machos humanos. Uma dragoa de Komodo, lagartona que felizmente vive confinada lá à ilha dela, porque é uma convivência desagradável e come de leitões a gente, botou (ou colocou, como hoje se diz) ovos fertilizados, sem nem ter visto um macho.

E não estava sendo objeto de experimento reprodutor nenhum. Ela apenas, digamos, quis ter filhos como qualquer fêmea e, já que não havia machos disponíveis, quebrou o galho dela sozinha mesmo. Sim, colegas machos, estamos ficando obsoletos a passos larguíssimos. Ficando não, pensando bem, já estamos obsoletos, condenados também à extinção, por enquanto amenizada pela ação caridosa das sociedades protetoras de animais e de algumas taradas que permanecem heterossexuais e ainda gostam de homem, talvez apenas por condicionamento ou hábito.

No front nacional, a coisa permanece meio feia, ao menos no Rio de Janeiro, onde andar de ônibus é atualmente mais perigoso do que andar de diligência, como a gente via nos filmes de caubói. Pelo menos John Wayne aparecia na última hora para matar cinco índios com cada tiro de um rifle que nunca se descarregava, mesmo se disparasse mais balas do que o total da Primeira Guerra Mundial. Mas no Rio não, no Rio já ouvi até dizer que uma empresa estudou a idéia de montar umas cabines de venda de seguro de vida rápido, só para aquela viagem, em pontos selecionados, mas desistiu depois que viu na ponta do lápis que era prejuízo certo. Ia aparecer um segurado morto a cada duas horas, ou algo semelhante, se computadas as estatísticas anuais.

Na Bahia, minha terra, também se declara uma pequena inquietação entre alguns círculos, como me afirmam meus contatos privilegiados.

Me contaram que o governador Jaques Wagner, em seu discurso de posse, disse que adotaria o estilo Lula de governar. Isso causou certa preocupação, mas me revelaram também à boca pequena que não há motivo para tal. Sua Excelência já está tendo aulas intensivas de improvisação de discursos e municiado com afirmações que farão época, tais como “nunca ninguém foi tão popular neste estado quanto eu desde Caramuru”, “Castro Alves era um verdadeiro Rui Barbosa” e “a extensa fronteira com a Bolívia faz da Bahia um dos estados mais estrategicamente importantes deste país”.

Também não é impossível que o dr.

Wagner, ao enfrentar naturais percalços em sua administração, atribua tudo à herança maldita de Mem de Sá, no que sem dúvida haverá de ter sua razão. O chato mesmo desse negócio do estilo Lula é que ele vai ter de comprar um jatinho para circular — o popular Aero-Axé — e poder, seguindo o modelo que adotou, passar dois dias por semana em Salvador e o resto tratando dos interesses da Bahia em outros estados e comparecendo a cerimônias tais como a inauguração de um aparelho de televisão na praça de uma comunidade carente em Ipirá. O resto, acredito, ele irá tocando conforme a música do maestro e, portanto, o céu é o limite.

Mas há sempre o lado bom e é este que deve ser ressaltado. Já dá para sentir, pelo seu empolgante e arrebatador discurso de posse, que o homem vai meter o pé no acelerador. É só ele voltar das férias, que a gente vai ver. As mudanças, ouso prever, serão radicais e surpreendentes, promovendo a reformulação do equacionamento político-conjuntural, o que lá seja isto, que só usei para, digamos, enfeitar a coluna com uma dessas expressões que colunistas austeros empregam e que sempre invejei.

O fato é que surgem indicações de que a chamada ala paulista do PT está gradualmente ingressando na oposição, com d. Marta Suplicy, dr. Mercadante e tudo. Querem mostrar que o PT é o partido do governo e parece que o governo está disfarçando, assobiando e olhando para o outro lado.

Boatos, boatos, mas não é que falam que o homem vai se aborrecer com isso e entrar para o PMDB? Como habitualmente digo, vivo há mais de sessenta anos no Brasil e, por conseguinte, acredito em tudo e já posso ver o Nosso Guia beijando novamente a mão do dr. Jader Barbalho.

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