Depois de seis anos, o Brasil, em 2007, deve ter seu primeiro déficit comercial com a China. O dragão do comércio exporta US$ 900 bilhões e importa outros US$ 800 bilhões. Sua chegada ao mercado internacional continua causando impactos na economia de todos os países. Para o Brasil, a China trouxe ótimas e péssimas notícias; depende para que lado se olha.
Nos últimos tempos, sempre que se quer avaliar um setor, seja pelo sucesso ou pelos problemas, a explicação passa pela explosão da produção e do consumo chineses.
Há uma série de sinais disso nas empresas. O dado geral, da balança comercial, mostra que, de 2002 para 2006, a corrente de comércio entre os dois países quadruplicou. Saiu de US$ 4 bilhões para US$ 16 bi; e a tendência é continuar aumentando.
Mas o superávit brasileiro está encolhendo.
Já foi de US$ 2,3 bilhões em 2003, caiu para US$ 410 milhões no ano passado; e, nos últimos meses, houve déficit brasileiro no comércio entre os dois países.
As nossas exportações para a China são ultraconcentradas.
Os três itens mais relevantes — soja, minério de ferro e petróleo — são 64% do total; os cem principais produtos exportados equivalem a 96,46%. E essa concentração vem aumentando: em 2005, os cem principais eram 87,5%. Os cem principais produtos que importamos da China chegam apenas a 53% do total das exportações chinesas para cá. Entre os dez primeiros, itens com nomes estranhos como “outras partes para aparelhos t ra ns mi ss ores /rec ep to re s” , “dispositivos de cristais líquidos”, “circuito impresso”.
Tradução: componentes para a fabricação de celulares e televisores.
— Quando recentemente o comércio entre os dois países começou a aumentar, foi porque a China é que veio atrás do Brasil em busca das matérias-primas de que precisava para produzir.
Fez isso em toda a América Latina, e na África, onde tem enormes investimentos.
Toda semana, há uma missão pequena diferente de chineses no Brasil em busca de negócios.
Quem vende para lá é sobretudo porque o chinês veio aqui comprar — conta o secretário-executivo do Conselho Brasil-China, Rodrigo Maciel.
As empresas que exportam matéria-prima foram beneficiadas pelo enorme aumento do consumo das fábricas chinesas: a Vale do Rio Doce, por exemplo, mais que dobrou suas vendas de minério para lá entre 2003 e 2006. E ela está calculando que, até 2010, a China deve aumentar em 30% sua produção de aço, sinal de que haverá mais demanda para o minério brasileiro. Isso sem falar no aumento da demanda das siderúrgicas do mundo inteiro para alimentar de aço as fábricas do país oriental.
Hoje, o comércio com a China equivale a 16,6% da receita da Vale.
Um estudo publicado pela Cepal se pergunta: “Anjo ou demônio? Os efeitos do comércio chinês nos países da América Latina.” Os autores, Jorge Blázquez-Lidoy, Javier Rodríguez e Javier Santiso, avaliaram vários produtos e afirmam: “Em geral, ainda que haja algumas exceções, a integração da China ao comércio mundial favorece claramente a América Latina.” Os autores acham que o que está havendo é um “choque positivo de demanda” com a entrada da China.
Como a América Latina é responsável por 47% da produção mundial de soja, 40% da de cobre, e 9,3% da de petróleo cru, a região pode ser beneficiada com o aumento dos preços de matériasprimas que, de fato, tem ocorrido em várias commodities.
Hoje, nos Estados Unidos, que importam nada menos que US$ 1,8 trilhão por ano, as compras de produtos chineses já estão superiores aos 15%; vêm crescendo ano a ano e isso, claro, considerando apenas os produtos que entram regularmente.
Mesmo com o frete da longa distância, o produto oriental manufaturado ou semimanufaturado mantém sua vantagem comparativa, competindo diretamente com os países do continente americano, sobretudo com o México. Boa parte do sucesso da China se deve à moeda artificialmente desvalorizada.
A força chinesa tem causado forte impacto em alguns setores no Brasil: principalmente o calçadista e o têxtil. No caso do primeiro, a competição é no mercado mundial. Como a mão-deobra lá é bem mais barata, os encargos são infinitamente menores e há o câmbio controlado, o Brasil tem tido dificuldade de competir internacionalmente. No caso dos têxteis, eles competem internamente. A importação do setor cresceu, só no ano passado, 41%.
Uma parte enorme disso é China, novamente, sem contar as inúmeras toneladas que, sabe-se, entram ilegalmente.
Mas, se muitas confecções têm sido prejudicadas e até fechado suas portas, as lojas são beneficiadas, pois conseguem comprar produtos por valores bem mais baixos.
Rodrigo Maciel acha que os empresários brasileiros precisam aprender a lucrar mais com a China. Atualmente o que vendemos para lá é menos de 1% do que eles compram do mundo.
Um levantamento do Conselho mostrou que há produtos em que, mesmo tendo vantagem, a participação brasileira no mercado chinês é baixa: plásticos, borracha, couro, tecidos de algodão (eles são fortes nos sintéticos), máquinas, autopeças.
— As empresas podem fazer parte de sua linha de produção na China, como acontece com os celulares.
Não é preciso transferir tudo.
O Brasil vai ter é que aumentar a competitividade.
Com o déficit, os discursos contrários à China vão aumentar, mas não adianta vetar a entrada de produtos chineses — acredita Rodrigo.
A China é uma realidade inevitável. Melhor entendêla para não ser devorado por ela.
Entrevista:O Estado inteligente
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