A disputa pela presidência da Câmara, e a pequena política envolvida nas decisões partidárias, mascaram o que deveria ser o ponto focal das discussões entre os parlamentares: a recuperação do poder de decisão do Congresso, hoje submisso ao Executivo. Aldo Rebelo, em processo de transformação de candidato “in pectore” do presidente Lula para uma alternativa oposicionista, chama a atenção para a independência entre os poderes, atribuindo ao Executivo uma interferência indevida, através de instrumentos burocráticos típicos de quem exerce o poder, como a liberação de verbas a favor dos que apóiam o candidato do PT. A disputa pela presidência da Câmara ganha, assim, contornos de luta pela independência do Legislativo.
Fora o fato de que a eleição de Aldo na substituição de Severino Cavalcanti foi conseguida com as mesmas armas, as circunstâncias políticas estão colocando o ex-coordenador político do governo na rota da oposição, se não ao governo, pelo menos ao PT, que já o havia atazanado quando exercia a função em substituição a José Dirceu.
O mesmo Dirceu que hoje é um dos coordenadores da candidatura de Chinaglia.
E é porque o que está em jogo é o fortalecimento do PT que a decisão do PSDB torna-se inexplicável. A lógica política do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se contrapõe à lógica burocrática do líder Jutahy Magalhães Junior e dos governadores que representou na jogada adesista.
Segundo Fernando Henrique, “havendo uma cisão na base governista, à qual, pela lógica política, caberia a presidência da Câmara, abrir-seia uma alternativa para a oposição. Aliás, mais de uma, penso, dado o anúncio posterior de eventual candidato de outros na linha da independência do Congresso nas questões institucionais e do não comprometimento com as tantas pizzas do passado recente”. Não haveria razão, portanto, para que o PSDB ajudasse o PT nessa disputa política interna da coalizão governista.
O líder do PSDB, deputado Jutahy Magalhães Junior, alega que respeitar a proporcionalidade na composição da Mesa da Câmara, apoiando o candidato petista Arlindo Chinaglia à presidência, significa dar racionalidade à atividade legislativa e permitir que parlamentares de primeiro mandato, ou sem grande exposição na mídia, possam fazer seu trabalho legislativo nas comissões com o respaldo do regimento interno, sem que precisem de pistolões ou padrinhos.
Seria uma maneira de garantir a democratização dos trabalhos legislativos, sem significar uma adesão ao governo.
Se assim fosse, o candidato petista teria que assumir publicamente compromissos com pontos programáticos que constam de propostas do PDT, do chamado “grupo independente” e de diversas associações representativas da sociedade civil, entre elas a Transparência Brasil. Além da discussão pura e simples da remuneração dos parlamentares, existem outros pontos importantes para que o Congresso recupere sua autonomia diante do Poder Executivo e assuma a liderança no que é seu papel essencial, o de legislar.
Por isso o PDT propôs, e o “grupo independente” está assumindo também como sua, a criação de uma Comissão Permanente de Normas e Projetos, destinada a: a) fixar prazos diferenciados, excepcionalmente, para a tramitação de matérias de relevante impacto nacional.
b) elaborar proposições.
O Legislativo deve ter iniciativas das matérias mais relevantes para o país.
c) definir, por emenda constitucional, os casos de “relevância e urgência” sobre os quais possam ser editadas medidas provisórias.
Sem que isso seja feito, Congresso não sairá da situação secundária em que hoje se encontra na formulação das políticas nacionais, situação essa que gera em conseqüência um estado que o cientista político Sérgio Abranches classificou de “alienação parlamentar das responsabilidades com as políticas públicas”, que estimula a relação clientelista com o Poder Executivo.
Num trabalho intitulado “O Processo Legislativo: tendência ao impasse”, Sérgio Abranches fez um acurado exame da atuação do Legislativo, chegando à conclusão de que houve uma clara mudança, para pior, no seu desempenho a partir do ano 2000, quando examinado pelo índice de aprovação de projetos.
A partir daquele ano, a proporção de matérias que tramitam sem que sejam aprovadas ou rejeitadas aumenta exponencialmente, e esse aumento do que o cientista político chama de “não-decisão” tem uma razão específica: as novas regras de aprovação de medidas provisórias, que passaram a trancar a pauta partir de 45 dias de sua tramitação, dominando, assim, o processo legislativo.
A proporção de matérias não apreciadas muda de patamar do primeiro para o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, de uma média de 31% para 58%, chegando 85% no primeiro governo Lula.
Para Sérgio Abranches, edição de medidas provisórias passou a ser um instrumento de bloqueio do Legislativo pelo Executivo: “o Congresso vive como se estivéssemos em um estado de emergência insuperável”. O uso excessivo de medidas provisórias, sem que os temas sejam “relevantes” ou “urgentes”, “reduz significativamente a qualidade da democracia”, adverte Abranches.
Ele fez um exame de 240 medidas provisórias editadas durante o primeiro governo Lula, e não encontrou “nem 5% de matérias que justificassem uma MP”. Sérgio Abranches lembra que há duas dimensões do poder legislativo dos presidentes: a constitucional e a política, quando parlamento cede ao presidente esse poder. Citando os politicólogos Mathew Shugart John Carey, em estudo da Universidade de Cambridge, Abranches destaca que quando a “perda da agência” chega a limites elevados, com o Legislativo deixando de ser principal do processo legislativo, “pode-se configurar um caso de usurpação de poderes”.
(Continua amanhã)
Entrevista:O Estado inteligente
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