Nunca a expressão “saco de gatos” coube tão bem para definir um grupo como agora nesta reunião do Mercosul. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, chegou para o encontro no Brasil dizendo que vinha para “descontaminar” o Mercosul do neoliberalismo, e propôs seriamente que os demais países da região se integrassem no socialismo do século XXI. Não foi por acaso, portanto, que seu pupilo Evo Morales, da Bolívia, atacou a Colômbia, na presença do presidente Álvaro Uribe, acusando o país de ser dependente dos Estados Unidos, e comparando-o a outros, como Cuba, Argentina, e a própria Venezuela, que, segundo ele, vivem com dignidade no antineoliberalismo.
O presidente Lula, que tenta se equilibrar nessa barafunda regional, pediu “generosidade” no tratamento dos países menores, visando especialmente a Argentina, que não aceita que a Bolívia faça parte do bloco com algumas regalias, e, em retribuição, foi cobrado publicamente por Morales, que reclamou o aumento do preço do gás pago pelo Brasil.
Argentina e Uruguai continuaram sem se entender com relação à disputa de fábricas na fronteira, e o caminho do Uruguai está mais próximo da saída do Mercosul para fechar um acordo bilateral com os Estados Unidos.
O chanceler Celso Amorim, tentando dar uma lógica a esse “saco de gatos”, ressaltou que o Mercosul não pode ser visto apenas como um bloco econômico, mas sim como um movimento geopolítico. Ora, se é assim, os movimentos políticos radicais de Chávez, Morales e agora Correa, do Equador, ganham uma força que não teriam se estivéssemos tratando meramente de um bloco econômico.
O próprio presidente Lula, para minimizar a pregação de Chávez, disse que essa história de socialismo do século XXI só tinha importância na Venezuela, e praticamente classificou de demagogia para uso de política interna as fanfarronices de Chávez sobre o assunto: “Cada um diz o que acha melhor para seu povo”, comentou Lula, num pragmatismo exacerbado que não enxerga os problemas que podem advir daí para o Mercosul.
Chega a ser ridículo, diante da escalada autoritária em alguns países da região e da exortação de Chávez, ao fim da reunião, para que os Estados tenham mais presença na economia da região, que o documento final do encontro exalte a democracia.
O cientista político Clóvis Brigagão, diretor-adjunto do Conselho das Américas da Universidade Candido Mendes, acha que estamos vivendo uma conjuntura política com escalada de centralismos em que líderes, principalmente Hugo Chávez, colocamse “acima do jogo político democrático — que está bastante debilitado em quase toda a região, incluindo o Brasil — com controle progressivo do processo legislativo e do Judiciário, através de um discurso ideológico cada vez mais radicalizado e com componentes autoritários, além de contar com recursos — como o petróleo e o gás — para, como pano de fundo, ‘saldar’ o déficit social”.
Para ele, “os ingredientes utilizados por Chávez, e também por Morales, conformam uma situação de profunda instabilidade e que, no decorrer desse processo que talvez não vá durar muito, poderá, com muita probabilidade, desencadear crises e conflitos perigosos, do ponto de vista interno — democracia e estabilidade institucional — e externo — ameaças a contratos de investimentos, expropriações e nacionalizações que poderão resultar em novas ameaças e r upturas”.
Brigagão teme que se esteja criando “um eixo VenezuelaBolívia-Cuba para atuar estrategicamente em assuntos externos importantes, como nas negociações da OMC, coalizão que não estaria de acordo com o Brasil, que lidera o G-20, e nas questões de política internacional da ONU. No Conselho de Segurança, e nas questões de direitos humanos”.
Já o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), vê a Venezuela caminhando “a passos largos para um regime populista e autoritário, que em nada se diferenciará de uma ditadura como as do general Pinochet ou do general Franco”. Já a Bolívia hoje “é nitidamente satelizada pelo regime chavista e trilha o mesmo caminho.
Os movimentos de resistência na chamada ‘meia-lua’ boliviana são preocupantes pois, num país de instituições tão fragilizadas, podem abrir caminho para um enfrentamento civil”.
Tadeu Monteiro vê o Brasil hoje como “um contraponto a esse autoritarismo, mais pela força e autonomia de suas instituições, como o Judiciário, o Ministério Público, a iniciativa privada, a sociedade civil organizada e a imprensa, e menos pela atitude do governo Lula, que tem sido extremamente sinuoso a respeito das ações de Chávez e, mais recentemente, de Evo Morales”.
Na sua análise, o Mercosul ainda é um acordo regional instável, que desde o seu nascimento depende fundamentalmente das “locomotivas” Brasil e Argentina. Do ponto de vista político, o Mercosul ainda tem pouco peso no mundo, e a grande incerteza “reside no fato de que Evo Morales e Hugo Chávez apresentamse como líderes carismáticos que querem promover suas ‘revoluções’”.
Mas Monteiro é otimista.
Considera que “os fatores de instabilidade são internos a esses países e, por enquanto, não parece que possam transbordar. Além de satelizar o regime de Evo Morales e de exercer alguma influência sobre Daniel Ortega, Chávez não conseguirá muito maior repercussão”. Ele destaca as desavenças com Insulza, da OEA, Álvaro Uribe, da Colômbia, e Alan García, do Peru, como fatores que “já o isolaram na América do Sul”.
Menos otimista é o ex chanceler Luiz Felipe Lampreia, que teme a possibilidade de a Venezuela, num arroubo bolivariano, passar da retórica para a ação e embargar o petróleo que vende para os Estados Unidos, que representa 15% da demanda americana.
(Continua amanhã)
Entrevista:O Estado inteligente
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