Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 20, 2007

Miriam Leitão Desafios da energia

O mundo da energia está em ebulição. Todo dia tem novidade. Esta semana, a Câmara dos Deputados americana aprovou um conjunto de leis que reduzem o subsídio ao petróleo e redirecionam recursos para fontes renováveis. O World Energy Outlook, cenário da Agência Internacional de Energia, tem dois dados que chamam a atenção: o tamanho do Iraque, um país em dissolução, no fornecimento de petróleo; e o tamanho do Brasil no uso dos biocombustíveis.

O Brasil e o mundo terão muito o que fazer nos próximos anos para mudar o quadro energético diante de várias barreiras: uma delas é a ambiental. Mas o biocombustível não é solução mágica; pode ser até mais uma fonte de pressão sobre o meio ambiente. Já o petróleo será uma fonte declinante.

Não apenas porque os estoques são finitos, mas porque os fornecedores podem ser ainda mais instáveis. O Iraque, nas projeções da AIE, é o segundo maior produtor da Opep; e continuará sendo.

A dúvida é como um país sustenta essa posição à beira de uma guerra civil? “A segurança do fornecimento de petróleo está ameaçada”, diz a Agência. Por dois fortes motivos: a produção dos países produtores não-Opep bateu no teto, chegou no seu limite; a produção está se concentrando num número menor de países.

Num cenário alternativo, tentando imaginar o melhor futuro energético, a Agência prevê que a demanda por petróleo pode cair até 13 milhões de barris/dia em 2030, o que é a produção atual da Arábia Saudita e do Irã juntos. Em 2015, já se estaria poupando o uso de 5 milhões de barris/dia. Isso poderia reduzir as emissões de carbono do planeta num volume equivalente ao total que é emitido hoje pelos Estados Unidos e Canadá.

As projeções do uso dos biocombustíveis no transporte rodoviário, feitas pela Agência, mostram que o Brasil é — e continuará sendo — o pioneiro. Nem em 2030, nem no melhor cenário, os Estados Unidos e a Europa vão chegar ao tamanho que o produto tem hoje no mercado brasileiro. As projeções da Agência mostram a força do pioneirismo do Brasil nessa área. Hoje, o biocombustível é cerca de 14% do consumo e, em 2030, pode ser 30%. Os Estados Unidos têm planos de, até 2010, metade dos postos oferecerem uma mistura de 85% de etanol na gasolina — o E85. Para isso, a indústria automobilística teria que aumentar a oferta de carros flexfuel. No Brasil, hoje, os carros flexfuel podem usar até 100% de álcool e quase todos os postos oferecem o produto. Somos pioneiros no uso e país com mais possibilidades de ser um grande produtor.

A conversão nos outros mercados ao uso de combustíveis menos poluentes, entre eles os com matériaprima vegetal, vai se intensificar.

A Europa examinará, em março, uma proposta para reduzir ainda mais as emissões de gases de efeito estufa, que inclui o aumento do consumo de etanol.

Os Estados Unidos estão investindo pesado na produção de etanol para misturar à gasolina. Até pouco tempo, eles usavam o poluente MTBE. Estão agora produzindo álcool do milho.

Neste ponto, há um constrangimento: aumentar a plantação para a produção de combustível afeta a produção de alimentos. O Brasil tem área disponível, mas é menos do que se imagina, e o país precisa estabelecer parâmetros e estratégia para o crescimento dessa produção. O ideal seria converter as áreas já desmatadas e degradadas em área de produção de cana para álcool e de soja (ou outras matériasprimas) para o biodiesel, impedindo qualquer novo avanço da plantação sobre a floresta. Do contrário, teremos o pior dos mundos: um produto, que veio para resolver um problema, acabar o aprofundando.

Pela lei, no ano que vem, no Brasil, o diesel mineral terá que ter uma mistura de 2% de biodiesel. Em 2013, a mistura terá que ser 5%, mas o embaixador Jório Dauster, presidente do conselho da Brasil Ecodiesel, maior produtora de biodiesel do país, acha que essa proporção pode até ser antecipada. O diesel 100% vegetal reduz em 70% as emissões de carbono na atmosfera.

— Em 2008, só nós, teremos capacidade de produção de 800 mil m³ de biodiesel, o que já dá os 2% compulsórios. É bom que se aumente a mistura, pois o país importa US$ 1,3 bilhão só de diesel. O Brasil tem tudo para ser dos maiores.

Hoje, Indonésia e Malásia, que produzem também, fazem isso destruindo a floresta — denuncia Jório.

Biodiesel pode ser feito de qualquer oleaginosa: soja, amendoim, algodão, girassol, palmeira, mamona, dendê e pinhão manso. No mundo, atualmente, soja e palma são as matérias-primas mais utilizadas; se a soja continuar sendo usada em larga escala também com fins energéticos (além dos de alimentação), pode não haver produto, nem terra suficientes.

— É a competição da energia com a alimentação.

Queremos escapar dessa armadilha, então estamos investindo na mamona e no pinhão manso, ambos tóxicos para a alimentação do ser humano. Eles têm também a vantagem de poder ser plantados em solo pobre e com pouca chuva, como o semiaacute;rido nordestino; e as usinas trabalham com qualquer matéria-prima.

Em 2005, 90% da nossa produção vinha da soja; queremos que sejam 20% em 2008 — diz Jório.

Hoje a demanda por biodiesel na Europa é de cerca de 7 milhões de m³. Até 2010, dobra. No mundo, nesse mesmo ano, a demanda deve ser de 20 milhões de m³. A produção hoje no Velho Continente é de 5 milhões de m³, bem maior que a brasileira. Lá, eles usam a canola. Segundo um relatório do Banco Fator, vem da Alemanha mais da metade do biodiesel europeu.

O que se pode prever para o mercado de energia, e de biocombustível, em particular, é que ele continuará em ebulição nos próximos anos.

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