Não sai do nada uma entrevista como a que o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, concedeu ontem, colocando o PT, se não em papel secundário, pelo menos em igualdade de condições com os demais partidos aliados, tirando-lhe o direito de aspirar à hegemonia da coalizão governamental, direito esse que os petistas consideram natural. O certo é que a disputa pela presidência da Câmara esconde uma outra bem mais profunda, a de que partido influenciará mais esse segundo mandato do presidente Lula, e quem estará mais bem posicionado para a luta pela sucessão em 2010. Ao colocar o PT, do qual foi presidente, no seu devido lugar, afirmando que Lula é muito maior que o partido e não depende dele para governar, Genro está fortalecendo os demais partidos da base aliada, dizendo-lhes que não precisam necessariamente apoiar Chinaglia.
Ao mesmo tempo, está mandando um recado para o PMDB, que via sua ação política favorecendo o petista, enquanto a retórica era de imparcialidade. Correndo em paralelo, há a questão da sucessão de Lula, que terá que ter candidato, nem que seja para defender suas realizações. Um presidente em fim de mandato sem candidato demonstra fraqueza política e acaba apanhando de todo mundo, como foi o caso de Sarney e, em menor grau, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que teve que defender seu governo quase que isolado, tanto em 2002 quanto em 2006. O recado que surge dessa disputa pela presidência da Câmara é que o candidato oficial pode sair da coalizão, e não necessariamente do PT.
Não há perigo de o governo sofrer uma derrota, pois a vitória de qualquer dos dois candidatos oficiais, ou de um eventual terceiro nome saído da base governista, não representaria nem mesmo uma derrota moral para Lula, que não corre o risco de ver um membro do baixo clero comandando novamente a Câmara.
O baixo clero está satisfeito tanto com o comunista Aldo Rebelo quanto com o petista Arlindo Chinaglia, e um tertius que saia para contestar o que os dois representam, em termos de comprometimento com o governo e com o corporativismo, não terá a menor chance de vencer.
Se, ao contrário, o grupo independente decidir viabilizar um candidato vitorioso, lançando um nome do PMDB ou do PT, estará apenas participando de uma disputa interna da coalizão governamental, sem que venha a ter nenhum tipo de avanço institucional.
É possível que hoje, na reunião do PMDB, o ex-ministro Eunício Oliveira se lance candidato, atendendo a uma ambição política de parte do partido. Alguém considera que Oliveira, ou mesmo Michel Temer, possam representar um presidente da Câmara autônomo do governo e disposto a impor mudanças de comportamento a seus pares que acabem com o corporativismo e o fisiologismo reinantes?
Ao contrário da eleição de Severino Cavalcanti, quando dois candidatos do PT se digladiaram, abrindo a chance para um terceiro nome surgir do baixo clero, desta vez o PT está unido em torno não exatamente de Chinaglia, mas de um projeto político que já fez mais sentido quando o partido representava uma alternativa política, e não apenas um instrumento de exercício do poder por seus filiados.
Esse poder de que o PT não quer abrir mão já não representa uma opção real para fora do partido, pois, conforme explicitou ontem Genro, o PT não é nem mesmo a parte mais forte do governo de coalizão e poderá ficar isolado politicamente se insistir em predominar sobre os demais partidos.
Portanto, o PMDB só apoiará a candidatura de Chinaglia se o revezamento na presidência da Câmara corresponder a seus interesses políticos imediatos. Se quiser esticar a corda para ver até que ponto vai a disposição do governo de não tratar o PT com regalias, pode apoiar Aldo, ou até mesmo lançar um candidato próprio.
Assim como decidiu o PDT, que anunciará seu apoio à reeleição de Aldo e apresentou uma série de pontos programáticos para serem assumidos pelo candidato, desde um critério menos volátil para o reajuste dos salários dos parlamentares até a defesa da instituição contra os abusos das medidas provisórias editadas pelo governo.
As reivindicações do PDT, que quase certamente fará parte da coalizão, são semelhantes às do grupo independente que pretende achar uma terceira via para a disputa. Ao apresentar a Aldo suas reivindicações programáticas, o PDT está mantendo na coalizão a defesa de postulados éticos que, até o momento, pareciam ser exclusivos dos deputados independentes.
Ao mesmo tempo, está mostrando ao PT que ele tem que abrir mão da hegemonia em benefício da harmonia da coalizão. Já a oposição, que havia anunciado seu apoio a Aldo, pode mesmo é apresentar um anticandidato, que atuaria como consciência crítica dos parlamentares.
Seria uma atitude quase romântica, em contraste com o pragmatismo do PDT, que levou a discussão ética para dentro da coalizão governista. Até o apoio ao aumento dos parlamentares pode ser feito pelos pedetistas, pois o líder Miro Teixeira foi dos primeiros a apoiá-lo, desde que fosse extinta a verba indenizatória.
Pode não ser uma proposta muito palatável ao baixo clero, mas os parlamentares já devem estar cientes de que não há clima para aumentos mirabolantes. O próprio Aldo Rebelo, que, contrário à sua própria história parlamentar, beijou a cruz apoiando abertamente o aumento escandaloso de 92%, sem nenhum reparo, acabou ficando sozinho nessa defesa, e hoje já tem condições de negociar medidas mais de acordo com os anseios da sociedade.
Entrevista:O Estado inteligente
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