A política na parte da América do Sul em que o populismo está se expandindo nas suas diversas formas, seja o de Chávez, na Venezuela, o de Evo Morales na Bolívia, o de Correa no Equador, ou mesmo o de Lula no Brasil, ou o de Kirchner na Argentina, está criando uma armadilha mortal: as oposições não encontram um caminho para se opor a esse desenvolvimentismo retórico, que gera melhorias reais do bem-estar das populações mais pobres à base do assistencialismo, sem mudanças estruturais que garantam a perenidade dessa situação, mas garantem votos para a perpetuação desse tipo de política. Assim como no Brasil, também na Argentina a oposição tenta basear sua disputa numa questão moral, uma luta entre republicanismo e populismo que não atrai a atenção do povo.
Recentemente, o jornalista Jorge Fernández Diaz escreveu no “La Nación” um artigo sobre a situação na Argentina intitulado “A oposição não sabe a que se opor”, onde diz que “é muito difícil hoje, nestes dias de glória do governo, encontrar-lhe um flanco e marcar um gol. Ele rompe, todo o tempo, qualquer eixo da oposição. Pulveriza a histórica tensão entre governo e oposição. Coopta setores da oposição que conquistaram os governos estaduais”.
Assim como no Brasil, as batalhas eleitorais que o governo de Kirchner propõe são sempre entre progressistas e conservadores, e a oposição fica encurralada, como ficou o candidato Geraldo Alckmin diante do ataque às privatizações no segundo turno da eleição presidencial.
Na Venezuela, a oposição em protesto não participou das últimas eleições, deixando o caminho livre para Chávez dominar o Parlamento e receber plenos poderes para governar e implantar o seu “socialismo do século XXI”.
Na Bolívia, trava-se no momento uma disputa entre a oposição e o governo que pode definir o futuro da democracia no país. Assim como a Venezuela, e agora mesmo o Equador está anunciando, também a Bolívia está em meio a a uma Assembléia Constituinte que vai definir os novos poderes no país. Está em jogo um projeto político nacionalista e de esquerda liderado por Evo Morales e um outro, que busca preservar o modelo de democracia liberal e de economia de mercado.
A Assembléia Constituinte foi convocada por uma lei especial que estabeleceu que as mudanças deveriam ser feitas por 2/3 dos votos. O partido de Morales, o MAS, controla 51% da Assembléia, e quer aprovar mudanças por maioria simples. A oposição, especialmente os chamados “estados da meia lua” exige que se cumpra os 2/3 e organiza grandes manifestações também em Santa Cruz, a favor da autonomia, em Cochabamba e La Paz, enquanto movimentos sindicais, com o apoio ou não do governo, pedem a destituição dos governadores oposicionistas.
Toda esta crise política, na análise do economista boliviano Gonzalo Chaves, mostra que a Bolívia está com enormes dificuldades de reconstruir uma nova institucionalidade, e, por outro lado, a política voltou para as ruas e está controlada pelos movimentos sociais, de onde surgiu a liderança de Evo Morales. Em busca de uma oposição efetiva e democrática, há na Bolívia um movimento que tem Gonzalo Chaves como um dos organizadores.
Diretor de pós-graduação da Universidade Católica da Bolívia, ex-vice-ministro de Energia, ele visitou recentemente o Brasil e a Venezuela e está montando um grupo com empresários e intelectuais para estabelecer linhas de diálogos para construir alternativas democráticas ao populismo.
Gonzalo Chaves está também envolvido na elaboração de um projeto de desenvolvimento econômico e social para a América Latina, que está sendo estruturado com o apoio do Instituto Fernando Henrique Cardoso e do Cieplan, do Chile. A proposta é trabalhar na construção de um novo ideário democrático progressista que possa ser apresentado como alternativa ao populismo.
Uma das conclusões, segundo ele, é de que não se tem que buscar o anti-Lula, ou o anti-Chávez, ou o anti-Morales, “mas mostrar que existem alternativas melhores”.
Os líderes populistas ganham simpatia pelo diagnóstico, mas o receituário que propõem não funciona. “Não podemos deixar o diagnóstico da desigualdade, da pobreza, da exclusão, na mão do populismo, que não resolve e se eterniza às custas disso”, raciocina o economista André Urani, do IETS, também envolvido no estudo. No caso específico da Bolívia, uma medida seria a aproximação com os trabalhadores informais, pois o gás, que é o grande carro-chefe do governo de Morales, não chega a empregar 2% da força de trabalho boliviana, enquanto 85% das pessoas vivem na informalidade.
“O discurso deles é estadocêntrico, mas não existe o Estado. Aqui no Brasil a carga tributária está chegando a 40% do PIB, e lá não chega a 10%”, analisa Urani. Segundo ele, “toda a retórica é construída em cima desse na ci ona ldes en vol vi men ti sta, todo mundo se inflama em cima disso, e não é dada nenhuma atenção aos temas que são importantes de fato para os bolivianos”.
Ele cita o artesanato boliviano em prata e confecções, por exemplo, que poderia ser exportado, e lembra o caso da Itália, que organizou cooperativas e hoje transformou sua cultura culinária em divisas, e sua cultura de moda também. “A Itália soube criar riqueza e prosperidade em cima da cultura popular”, diz Urani.
O interessante é que a mesma armadilha em que as oposições foram apanhadas pelo populismo, em termos de Estado apanha desarmado o Brasil de Lula diante da nacionalização do gás na Bolívia, por exemplo, e da ameaça de nacionalização do petróleo no Equador e de energia na Venezuela. É a retórica do “mais fraco” contra o imperialista regional, no caso o Brasil. Foi o que o presidente da Bolívia, Evo Morales, cobrou de Lula na reunião do Mercosul para aumentar o preço do gás.
Entrevista:O Estado inteligente
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