No momento em que escrevo, ainda não fui. No momento em que vocês me lêem, espero já ter ido e não me encontrar em Timbuctu, aguardando uma conexão para Mossoró diretamente para Porto Alegre, onde terei passado dois dias esperando um vôo para Teresina, de cujo aeroporto finalmente pego um avião para Salvador, com escalas em Curitiba, Campo Grande e Uberaba, para daí seguir viagem de ônibus, em pé. Isso, acrescido do problema de minha bagagem ter ido parar em Dallas, onde levará dois anos sendo inspecionada para depois confiscarem meu canivete suíço como arma de destruição em massa e proibirem de vez meu ingresso em território ou espaço aéreo americano, sob pena de 30 anos em Guantánamo, sem direito a banho, seja de água ou de sol.
É esse, mais ou menos, o panorama atual das viagens no Brasil, como me têm pintado. Claro, é tudo brincadeira, com a possível exceção da passagem por Timbuctu e de minhas malas terem ido para Dallas. Aliás, pensando bem, com a possível exceção de tudo, pois sabemos que entre nós tudo é possível. Espero que, neste domingo de sol (persevero em prever domingos de sol, sou brasileiro e nunca desisto), já me encontre em Itaparica e já tenha readquirido suficiente fluência em itapariquês para manter palestras matinais educativas (para mim, não para meus interlocutores), no Mercado Santa Luzia, nome oficial do nosso centro de vendas de bens perecíveis, alguns poucos dos quais perecidos desde meados do século passado, mas bem mantidos nos infalíveis freezers (em itapariquês, “frizas”, gênero feminino).
Verdade que haveremos de ter vindo em perigos e guerras esforçados. Minha estada em Itaparica todo janeiro é obrigatória, mas desta vez houve conselho de família, para decidir se eu ainda estou em idade de encarar a Linha Vermelha, ou, aliás, encarar sair de casa mesmo aqui no Rio, a não ser à padaria e ao boteco e assim mesmo sob escolta. Quase perco, mas venci com meu próprio voto e a promessa de usar o colete à prova de balas que ganhei de presente (ganhei mesmo, sei que vocês pensam que é chiste, mas não é), durante todo o percurso até o Galeão. Meu valente psiquiatra pôs seu celular de plantão, escondeu uma camisa-de-força na bolsa de minha mulher para caso de necessidade e me muniu dos indispensáveis sossega-leões para minha reação, no caso de algum funcionário de linha aérea ou do aeroporto xingar minha mãe, como dizem que estão xingando as de outros. O itaparicano é calmo, pacífico e tolerante. Até ser xingado ele suporta, se o bom senso mandar, mas xingar a mãe dele nunca. É por isso que vocês jamais verão um itaparicano ser juiz de futebol ou presidente da República.
Devo estar, pois, neste domingo, na companhia de Beto do Atlântico e Toinho Sabacu, discutindo os temas do dia, que espero, pelo amor de Deus, continuem os mesmos e o grande evento esportivo da manhã seja a disputa entre Toinho e eu, para ver quem está com a pressão arterial mais baixa. Bem, menos alta, vamos dizer; já somos senhores de uma certa idade. A moça do posto de saúde arma uma tendinha perto da rampa e lá os cidadãos conferem suas pressões arteriais, com a seriedade adequada à importância do momento. Não é em qualquer lugar, nem toda hora que o sujeito pode chegar em casa e dizer à mulher “acabei de tirar a minha pressão como-é-o-nome”, é coisa fina. Em janeiro do ano passado, Toinho ganhou todas, embora por escores apertados. Mas, Deus me perdoe, conheço Toinho faz uns 60 anos e que um raio caia do céu direto na minha cabeça se eu jamais pensei este tantinho mal dele, não é nada disso, é que, não sei por que, dei para achar que ele anda tomando o remédio antes da conferência da pressão. Quer dizer, jogando dopado. A combinação é a gente só tomar os remédios de velho depois do primeiro turno do mercado, que é ainda em jejum, para apreciar o nascer do sol, ver se tem peixe, curtir com a cara de Xepa e Pretinho e tomar a pressão. Mas não sei por que razão, creio que, assim pela pinta, Toinho já aparecia no primeiro turno com um Atenolol e um Enalapril no juízo, além de meia jarra de suco de carambola. Assim não dá para enfrentar, é pegar pesado. Desta vez, com jeitinho, vou sugerir uma fiscalização.
E para vocês todos uma bela notícia e uso a mesóclise para enfatizar a singularidade da ocasião: passar-se-ão cinco semanas sem eu aparecer aqui. Isto mesmo, cinco semanas, a partir de hoje. Não sei fazer contas, mas acredito que só dou as caras aqui em 4 de março próximo (rejeito gracinhas sobre como poderia aproveitar e ficar fora de uma vez por todas). Tenho que reunir forças para enfrentar o ano que se desenrolará diante de nós. Pois não foi anunciado que, assim que o homem achar que está na hora de começar a governar desta vez, vai lançar o Plano de Aceleração do Crescimento? Ninguém sabe direito o que é isso e provavelmente ele ainda vai perguntar a d. Dilma, para que ela lhe explique, mas deve ser um negócio importantíssimo, que tem sigla sonora certamente de propósito: PAC. Já posso prever o slogan: “Quer sentir o baque? Espere o PAC!” Espero que d. Dilma saiba bem o que é o PAC, para a explicação ficar bem digerida e ele poder dizer com a boca cheia que jamais houve um PAC assim em toda a América, desde Colombo.
Sei que o PAC, como o nome indica, envolve crescimento. O presidente insiste em que o País vai crescer até mais de 5%, quando muita gente não acredita nem em três e meio. E, mesmo que cresça 5% é pouco. Mas, com esse programa, não sei, não, o País será visto como o culpado por não crescer. A não ser que d. Dilma não governe com a firmeza que ele espera dela.