editorial |
O Estado de S. Paulo |
10/1/2007 |
Desde a sua primeira eleição, em 1999, até agora, o presidente venezuelano Hugo Chávez concentrou-se em acumular recursos de poder, construindo uma autocracia sem pôr abaixo as aparências da ordem democrática, enquanto se desvencilhava das últimas estribeiras que poderiam tolher a estridência de sua retórica. Mas o gradativo arrocho político e a desenfreada oratória “antiimperialista” conviviam com um mal disfarçado realismo em questões econômicas. Não só a economia de mercado no país permaneceu a salvo do intervencionismo chavista, tão prolífico nas demais esferas da vida nacional, como seguiram de vento em popa os negócios da Venezuela com os Estados Unidos. Tanto assim que, nesses anos de louvações oficiais ao socialismo, se desenvolveu na Venezuela o que se poderia chamar uma nova classe bolivariana, formada não pelos pobres alçados a condições mais dignas de existência, mas pelos estratos médios que enriqueceram e pelos ricos que ficaram ainda mais ricos. A explicação, naturalmente, está nas cotações do petróleo, que chegaram a quintuplicar antes de tomar o caminho inverso em 2006. Chávez, de todo modo, deixou correr solto o consumo até ostentatório dos novos e velhos endinheirados venezuelanos. No ano passado, por exemplo, as vendas de carros dobraram e os preços dos imóveis dispararam. (O mesmo, segundo relatos insuspeitos, vem ocorrendo com a corrupção no governo dito revolucionário.) “A vida cotidiana para muitos venezuelanos”, escreveu semanas atrás na revista New Yorker o jornalista econômico James Surowiecki, “faz lembrar um catálogo da Neiman-Marcus”, a mais luxuosa rede americana de lojas de departamentos. “Se isso é socialismo”, observou, “é o socialismo mais amigável aos negócios que já se inventou.” As relações comerciais com os Estados Unidos que o digam. Além do petróleo - a Venezuela é o seu quarto maior fornecedor e o império do demônio da demagogia chavista é o seu principal cliente -, 1/3 de todas as importações venezuelanas é made in USA. No ano recém-terminado, o intercâmbio entre os dois países aumentou 36%. Doravante, tudo é incógnita, dado o anúncio de Chávez, segunda-feira, de que nacionalizará empresas elétricas e de telefonia. Ele deu a entender que poderá estatizar também os multibilionários projetos petrolíferos na Bacia do Orenoco. Em 2006, Chávez aumentou o controle estatal sobre numerosas operações petrolíferas em regime de joint venture. Não está claro, por ora, se a proclamada nacionalização comportará indenizações ou será pura e simples expropriação. O certo é que a medida anunciada tem menos a ver com a economia do que com a concentração de poder nas mãos de Chávez, em marcha batida para descartar as derradeiras aparências de democracia. Não por acaso, ele aproveitou o dia para comunicar que deseja do unânime Congresso venezuelano poderes para legislar por decreto. A escalada ditatorial do presidente, na atual fase, começou em dezembro, quando avisou que fundirá as legendas da coligação pela qual se reelegeu para mais seis anos no Palácio Miraflores em um único partido socialista. Ele tampouco esconde que está resolvido a governar a Venezuela até o fim dos tempos, mediante sucessivas reeleições. Não menos evidente é outro objetivo chavista associado a este: o de transformar a sua influência junto aos países mais pobres da região em verdadeiro controle de caráter imperialista. O projeto começa pela Bolívia de Evo Morales, onde o ditatorial presidente venezuelano, comprando jornais e uma emissora de TV, ambiciona ter sob o seu polegar o sistema nacional de comunicação. Pode-se apenas especular sobre o que dará essa ofensiva interna e externa, com o seu potencial desestabilizador na região. Um primeiro sinal de que esse potencial pode ser reduzido a zero da noite para o dia foi a queda recorde dos preços do petróleo, ontem. Mas, mesmo que ele se mantenha, as conseqüências imediatas poderão ser positivas para o Brasil, se o presidente Lula - por palavras, e ainda mais por atos - mostrar ao mundo que personifica a alternativa latino-americana ao chavismo. Quanto mais o venezuelano radicalizar, e já não apenas na retórica, mais o presidente brasileiro poderá deixar claro que o seu horizonte é o do reformismo responsável, compatível com o Estado democrático, a economia de mercado e o investimento estrangeiro. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, janeiro 10, 2007
A escalada autocrática de Chávez
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