Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Celso Ming - Mais que uma rima




O Estado de S. Paulo
10/1/2007

Quando, segunda-feira, o desembargador Ênio Santarelli mandou tirar a Daniela Cicarelli do ar, produziu mais do que uma nova rima. Mostrou que o Judiciário pouco entende de comunicação eletrônica.

Parece não ter ocorrido a esse desembargador que um site como o YouTube engloba inúmeros contratos de criação, edição, publicidade e distribuição de benefícios. Se interditado, como foi, atropela um turbilhão de direitos adquiridos.

A Brasil Telecom e a Telefónica entenderam que todo o site YouTube teria de sair do ar e assim foi feito. Foi como autorizar pescaria com bomba, como se fazia no Xingu. A mortandade poderia ter sido incomensurável.

Ontem, o desembargador se viu na contingência de refazer seu despacho. E explicou que não era para tirar tudo do ar; era apenas para tirar o vídeo com as curvas e ondulações produzidas pela Cicarelli e seu parceiro em uma praia de Cádiz, na Espanha.

E, assim, por nova ordem de Santarelli, o YouTube voltou sem a Cicarelli. Mas a guerra não acabou porque milhares de assinantes podem devolver as imagens à internet com outras palavras-chave e novos códigos, para evitar os filtros convencionais.

Esta é mais do que uma questão que envolve o despreparo dos nossos juízes. Ficou difícil reverter ou reparar eventuais prejuízos à imagem pública ou à reputação de um cidadão por meio da divulgação de imagens e sons pela internet, mesmo onde a Justiça conhece a matéria, é eficiente e age rapidamente.

Estamos vivendo uma revolução tecnológica sem precedentes que todos os dias muda tudo na comunicação eletrônica. Hoje, qualquer pessoa pode produzir filmes, vídeos e textos e colocá-los à disposição de todos. As imagens da execução do ditador iraquiano Saddam Hussein, na virada do ano, foram feitas por um aparelho celular dotado de câmera. E instantaneamente rodaram o mundo pela internet.

Se qualquer um pode produzir e colocar no ar qualquer programa de imagens e de som, que, por sua vez, pode ser visto, copiado e armazenado também por qualquer um, que sentido faz exigir que as emissoras de rádio e de TV continuem sendo concessões públicas, como manda a lei?

Se qualquer um pode montar uma emissora de rádio e colocá-la em operação na internet; se pode editar um conteúdo qualquer e repassá-lo ao resto do mundo; o que significa exigir que pelo menos 70% do capital das empresas da área de comunicação no Brasil esteja em mãos de brasileiros?

A tecnologia IP (Internet Protocol) está transformando as comunicações. Por meio do sistema VoIP e de similares que se multiplicam a cada dia, qualquer um pode falar pelo telefone sem ter de pagar as tarifas cobradas nas ligações convencionais. Assim, toda a telefonia como negócio vai mergulhando no imponderável.

Bastam essas considerações para concluir que o Brasil precisa de uma Lei Geral de Comunicações. Não tem mais o que fazer com esse emaranhado de leis, regras e determinações regulamentares que tratam cada meio de comunicação como se fosse independente dos outros. Pior que tudo, não há clareza sobre o que colocar no seu lugar.

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