O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está interessado na reforma tributária. Falou dela no encontro com 130 prefeitos na quarta-feira passada e voltará a tratar do tema (e também da reforma política e do pacote de estímulo ao crescimento a ser anunciado logo em seguida)na próxima segunda-feira, em reunião para a qual foram convocados os 27 governadores - dos quais 20 já confirmaram presença, de acordo com o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro. Esta seria uma grande notícia para o País, em particular para os contribuintes, se não estivesse irremediavelmente contaminada pelo vício da engabelação.
O País já assistiu a esse filme, e os que responsavelmente pensam no futuro com certeza não gostaram nada do que viram, pois, até aqui, os resultados de andanças como essas, que agora se repetem, foram nulos. Há exatamente quatro anos, no início de seu primeiro mandato, Lula fez o que diz pretender fazer outra vez: convocou os governadores, com eles discutiu linhas básicas de uma necessária reforma tributária, determinou à área técnica que elaborasse um projeto que pudesse ser aceito pela maioria dos interessados - União, Estados, municípios e contribuintes - e conseguiu aprontar um projeto de lei que recebeu amplo apoio inicial.
De maneira espetaculosa, juntou os 27 governadores num ônibus e com eles foi ao Congresso. Subiram juntos a rampa do Congresso, para demonstrar que estavam unidos em torno do projeto que iam entregar e para cobrar dos congressistas pressa na votação.
Mesmo tendo sido mutilado e descaracterizado durante a tramitação no Legislativo, perdendo pontos essenciais, o projeto não foi votado. O tempo se encarregou de dissolver o interesse inicial de Lula por um assunto de importância vital para o País. Agora, fazendo de conta que nada disso aconteceu, o presidente repete o discurso de quatro anos atrás. 'Este ano eu espero que a gente volte à reforma tributária', disse aos prefeitos. Voltar para onde nunca esteve, e a fazer o que nunca pretendeu fazer?
O presidente e sua equipe de governo gostam de discursos, de frases e gestos grandiosos, mas, pelo que mostraram na questão da reforma tributária, não gostam de debater questões espinhosas, tecnicamente complexas e politicamente incômodas, como são as que envolvem a mudança na legislação tributária.
Negociações com governadores e prefeitos podem resultar em ganhos políticos - que é seguramente o que espera o presidente -, mas envolvem também riscos de perdas, para os quais o governo federal não parece estar preparado. No governo Fernando Henrique, negociações difíceis foram feitas para a renegociação da dívida dos Estados e para a extinção da rede de bancos estaduais, fonte de alguns dos principais problemas financeiros enfrentados então pelos governadores. Sem a conclusão, com êxito, dessas negociações, não teria sido possível aprovar e colocar em prática as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ninguém parece discordar de alguns objetivos da reforma tributária de que o País necessita, entre os quais o aumento da eficiência e da competitividade de nossa economia, através da racionalização e simplificação do sistema tributário. Mas questões como a partilha dos recursos tributários (nos últimos anos, a maioria das mudanças destinou-se a assegurar fatias cada vez maiores do bolo tributário para a União; Estados e municípios querem agora aumentar o pedaço a que têm direito), a unificação da legislação do ICMS e o fim da guerra fiscal (que contraria interesses de Estados do Centro-Oeste) e a definição do local do recolhimento do tributo estadual (se na origem ou no destino do produto) não podem ser resolvidas em reuniões do presidente com os governadores.
São muitos os interesses conflitantes. Harmonizá-los exige debate técnico intenso, até que se chegue a uma proposta que seja aceitável pelos interessados. O governo do PT, porém, sem disposição para travar esse tipo de debate, talvez se contente com algumas medidas mais simples, como a perpetuação da CPMF e da desvinculação de parte das receitas da União.
Mais uma vez, por isso, a discussão tem tudo para começar de maneira errada. E, como já vimos, nesta questão o que começa errado não tem jeito de melhorar.