O que mais surpreende é o fato de a mídia estar-se mostrando absolutamente complacente ao tratar do desavergonhado balcão de negócios em que se transformou a disputa pela condução da Mesa da Câmara dos Deputados. A liberação de emendas do orçamento, a oferta de cargos ministeriais e de postos nas estatais se misturam ao troca-troca de apoios em cargos da própria Mesa da Câmara ou em Assembléias Legislativas - em cambalachos celebrados com governadores - e outras prebendas comprovadoras do fisiologismo mais amplo, geral e irrestrito, que vai sendo utilizado para a conquista de votos dos representantes do povo. Faz-se tudo com a maior naturalidade, como se se tratasse de mera disputa pela direção do mais insignificante clube de várzea. Por incrível que pareça, nenhum dos dois candidatos governistas se dispõe a passar à opinião pública qualquer argumento que justifique sua candidatura. Certos de que seus eleitores - os próprios pares -, recém-eleitos ou reeleitos, no momento não dependem de seu eleitorado (pois falta muito tempo para que venham a depender e a memória é curta), os candidatos a presidente da Câmara parecem estar-se lixando com a imagem que a população faça do Legislativo - mesmo que esta se aproxime da do esgoto: o nojento necessário, mas que podia ser mais limpo.
Perdura entre os dois candidatos chapa-branca o vazio total de projetos, de idéias ou de programas mínimos de revitalização e revalorização do Poder Legislativo nacional. Eles, que em momento algum dissociaram sua imagem da consensualmente considerada pior legislatura da História da República - com seus batalhões de mensaleiros e sanguessugas, seus valeriodutos, suas malas de dinheiro vivo, seus dólares na cueca e tudo mais, desfrutando a pizza absolutória geral, produzida no suave forno da votação secreta -, bem que poderiam, nem que fosse por disfarce, pregar alguma moralização de hábitos. Bem que poderiam propor um mínimo de autonomia, para que a Casa legislativa não mais confundisse a necessária harmonia entres os Poderes com o servilismo de paus-mandados do Planalto. Que propusessem, ao menos, algumas reformas internas essenciais, que ajudassem a retirar da população a imagem tão ruim que lhe passou o Parlamento, especialmente depois que os ilustres representantes do povo - com o apoio expresso dos dois candidatos - tentaram aumentar seus ganhos em 91%, o que só não conseguiram por filigranas em boa hora detectadas pela Justiça. Em vez disso, no entanto, a cada nova entrevista que dão os candidatos governistas só falam de suas vantagens 'eleitorais' na disputa, das forças partidárias e dos apoios com que contam.
Em suas exibições de retumbante mediocridade, os candidatos até têm tentado ser originais. Para ilustrar sua disposição de luta, apesar das adversidades encontradas, um deles comparou sua candidatura ao episódio do 'corneteiro de Pirajá', aquele que, tendo recebido ordem de dar toque de retirada, deu o de 'avança cavalaria', com isso afugentando os inimigos, que se apavoraram ante o avanço da cavalaria que desconheciam (porque inexistia). Tratou-se, assim, do maior blefe da História do Brasil - justamente onde o candidato à reeleição foi buscar inspiração! O outro candidato tem como traço maior o apoio maciço de todos os comprometidos (mensaleiros, sanguessugas et caterva), afora a promessa de anistia à figura-símbolo da débâcle ética nacional (embora não tenha sido justo colocá-la como bode expiatório de toda a lameira).
O grupo de parlamentares da chamada Terceira Via se constituiu para estabelecer um reencontro do Legislativo com a sociedade, empenhando-se num projeto claro de recuperação do Congresso Nacional como instância independente e responsável pela formulação de projetos para o País, apresentando ao povo brasileiro, assim, alguns pontos fundamentais para a eleição da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Entre estes estão: autonomia do Parlamento, com definição de suas prioridades e valorização do debate com a sociedade sobre os grande temas nacionais; relação independente com o Executivo e respeito aos critérios de real 'urgência e relevância' na apreciação de medidas provisórias; aprovação imediata do voto aberto no Parlamento; racionalização e transparência nos gastos da Câmara; definição de critérios permanentes para a remuneração dos parlamentares, compatíveis com a realidade brasileira; atualização do Regimento Interno da Casa, considerando, entre outras questões, a lentidão na tramitação de matérias relevantes, a impropriedade da posse de suplentes por apenas um mês, no recesso parlamentar; prioridade à reforma política, para combater o abuso do poder econômico e a corrupção.
Para a presidência da Câmara o grupo resolveu escolher alguém não atingido pelos episódios degradantes da legislatura passada ou por qualquer escândalo em sua vida pública - e que tivesse compromisso efetivo com os pontos programáticos, mencionados, de renovação e revitalização do Poder Legislativo. Ao optar pelo tucano paranaense Gustavo Fruet - sem dúvida, um dos mais sérios e competentes parlamentares surgidos, ultimamente, no Congresso Nacional -, o Terceira Via preferiu uma alternativa viável, e não uma simples anticandidatura. Achar que só teria sentido uma candidatura de protesto, sem qualquer apoio de partido forte - e, portanto, sem qualquer viabilidade de ampliação -, seria uma desistência da decência. É verdade que, nesse processo, os tucanos deram uma feia escorregada, quase chafurdaram o bico na lama, mas, em tempo, retomaram o prumo, até com chance de recuperar a velha unidade antifisiológica perdida. O que é do homem o bicho não come.