Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Dora Kramer - Serra não briga, mas não ameniza



O Estado de S. Paulo
5/1/2007

Serão quatro anos de julgamento permanente de qualquer palavra ou ação à luz da perspectiva eleitoral de 2010. O governador de São Paulo, José Serra, sabe disso.

Tudo o que fizer ou falar será interpretado como gesto eleitoral de quem se prepara para disputar a Presidência da República e tentar recuperar o terreno perdido em 2002, com a derrota para Luiz Inácio da Silva, e em 2006, quando deixou o lugar de candidato para Geraldo Alckmin, desistindo de uma luta que lhe pareceu, desde o início, inglória.

Diante do inevitável, acha melhor relaxar. Em termos, porém. Não deixará de fazer as coisas ou falar o que acha por medo da leitura eleitoral. Em público, tentará se manter olímpico, fazendo de conta que não dá ouvidos às manifestações que no íntimo considera irritantes, para não dizer, como de fato diz, “ridículas”.

Não porque esteja alheio à óbvia situação de pré-candidato à sucessão de Lula. Muito menos por tentar convencer alguém de que tenha abandonado o projeto presidencial. Este está no horizonte, mas é cenário futuro.

O presente, na concepção dele, é sua matéria-prima. Foi pensando no desempenho à frente do governo de São Paulo hoje, amanhã e pelos próximos quatro anos, que fez dois discursos de posse - um na Assembléia Legislativa, outro no Palácio dos Bandeirantes - abordando questões de interesse nacional, como o desenvolvimento, a ética, as obrigações do Estado e os direitos do cidadão.

Levou cinco dias para redigir ambos e ficou particularmente satisfeito com a avaliação positiva de suas palavras feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com os telefonemas recebidos dos governadores Paulo Hartung (ES) e José Roberto Arruda (DF), que mandaram distribuir os textos para suas equipes.

Serra analisa os discursos não como uma convocação à guerra com o governo federal, mas como uma exposição de posições que, de resto, não são novas e, na opinião dele, expressam a opinião do eleitorado paulista. Suas críticas à política econômica, por exemplo, remontam ao governo FH, são pertinentes na boca de um governador de São Paulo e não guardam relação com o futuro sucesso ou insucesso eleitoral.

É partidário do raciocínio de que não foi a condição da economia o motivo da reeleição de Lula e sim o desempenho do personagem, vitorioso a despeito da “política da pasmaceira” econômica.

As referências à necessidade de recuperação dos valores éticos não tiveram, segundo ele, o objetivo exclusivo de espicaçar o PT por conta dos escândalos protagonizados pelo partido e aliados.

Neste aspecto, lembra que o “espetáculo” da desqualificação moral teve o Congresso em geral como personagem de destaque e, em particular, políticos de diversos partidos, inclusive do dele, o PSDB.

José Serra atribui as interpretações exclusivamente eleitorais ao desejo dos adversários de desqualificar suas ações e à impossibilidade de discutirem objetiva e detalhadamente os temas propostos para debate e para o enfrentamento real por parte dos governantes, nacionais e regionais.

Ele não vai brigar, mas também não vai amenizar nem perder de vista seu papel de oposicionista. No discurso da posse, repetiu um trecho do pronunciamento feito logo após as eleições, onde detalha o sentido da disposição de manter com Lula “as melhores relações institucionais possíveis”: “Não esperem de mim o adesismo que não se respeita nem a agressão que não oferece respeito.”

De política procurará falar o menos possível. Sobre os rumos de seu partido, incluída a anunciada possibilidade de o presidente Tasso Jereissati vir a apoiar Ciro Gomes em 2010, nada dirá em público. A respeito da disputa interna com Aécio Neves, não quer nem ouvir falar.

A concentração total é no governo de São Paulo, plano, assim como a prefeitura, inicialmente fora da agenda. Mas, já que as circunstâncias quiseram assim, José Serra irá a elas com a obstinação do afamado centralizador irascível, fama esta, na visão dele - e só na dele - fruto de inominável injustiça.

Se existe um inimigo poderoso e temido por José Serra nesse período que o separa da disputa pela Presidência, é a expectativa em torno de um governo de São Paulo muitíssimo bem-sucedido.

Não despreza a torcida, mas também não esquece da lição de um antigo professor de redação: “Nunca diga num texto o quanto é bom o que você tem a dizer a seguir. O resultado, em geral, frustra a expectativa.”

Sonegação

Quando assumiu o Ministério da Reforma Agrária, o então ministro Miguel Rossetto apostava no fim das invasões por causa das boas relações do governo com os sem-terra.

Ocorreu o contrário: em 2003 as invasões duplicaram, em 2004 triplicaram, em 2005 voltaram ao dobro e, em 2006, só nos três primeiros meses do ano foram em maior número (110) que nos 12 meses de 2002 (103).

Não há registro de invasões de abril a dezembro de 2006 porque o governo resolveu o problema suspendendo a divulgação dos números.


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