Definido certa vez por Darcy Ribeiro como o verdadeiro céu, pois para ter acesso a ele bastam votos, não é necessário morrer, de paraíso o Senado hoje só tem a pose. Já não é mais a Casa das fidalguias nem das calmarias.
Ali ocorreram as batalhas mais renhidas entre governo e oposição nos últimos anos e ali se produziu constante parceria com a Câmara na conformação do perfil da 'pior legislatura de todos os tempos', a terminar formalmente daqui a 11 dias.
A despeito da co-autoria em muitos vexames, o Senado tem assistido à distância e com expressão de paisagem à briga de foice pela presidência da Câmara, na qual é cobrada dos candidatos uma posição firme no tocante à conduta de desacato permanente do Poder Legislativo aos - senão bons, pelo menos razoáveis - costumes.
Não manifesta, por exemplo, nenhum sinal de desconforto com o fato de uma parte do colegiado ser formada por senadores suplentes (em 2001 chegaram a representar dois terços do Senado) sem voto. Biônicos, portanto.
Agora mesmo, com o acerto da realização de um inédito debate entre os três candidatos, a Câmara dá um passo importante para pôr um fim à equivocada concepção de que a disputa pela presidência das Casas do Congresso é questão interna de interesse exclusivo dos parlamentares.
O Senado ainda não deu esse passo na direção da sociedade. Como não foi obrigado a isso, porque a disputa lá não é acirrada, o favoritismo do candidato à reeleição, Renan Calheiros, é reconhecido até pelo adversário e não surgiu ninguém propondo uma 'terceira via' para travar o bom combate, os senadores fazem de conta que o assunto não é com eles.
Enquanto o 'populacho' se digladia, na Casa ao lado os lordes silenciam. Nada de debate, de embate, de reflexão, só aquela paz reinante nos cemitérios, onde estaria tudo bem não estivessem todos mortos.
Para entrar no clima de consonância com a opinião pública o Senado nem precisaria atrair para si o ambiente infernal da Câmara. Nem tomar a iniciativa de declarar-se deformado e necessitado de reforma urgente. Seria pedir demais.
Mas, a título de colaboração com as expectativas de quem de quatro em quatro anos é chamado a eleger novos senadores, não custaria abordar ao menos a questão dos suplentes, que deixa o Senado hoje em franca desvantagem em relação à Câmara no quesito representação.
O assunto esteve recentemente na ordem do dia, quando os suplentes de alguns deputados tomaram posse na Câmara durante o mês de recesso recebendo vantagens e subsídios sem trabalhar.
A propósito, lembra a deputada Denise Frossard: 'É preciso mudar o critério para a posse dos suplentes, mas estes pelo menos se submeteram ao pleito eleitoral. No Senado, a atual legislação permite que os senadores carreguem consigo dois suplentes de sua livre escolha, que além de não receberem um único voto, na maioria das vezes são completamente desconhecidos da população.'
Não raro são parentes - filho, pai, mulher - dos titulares, funcionários, quando não escolhidos em troca do financiamento de parte das campanhas dos eleitos. Já houve um caso de um trabalhador braçal cuja única intimidade com o assunto parlamentar era o fato de ter sido pedreiro na casa do dono do mandato.
Na próxima legislatura, dos 81 senadores, 15 receberam doações de seus suplentes que, de presente, podem receber um mandato. Um dos que já recebeu, Wellington Salgado, suplente do ministro das Comunicações, Hélio Costa, aponta os dois motivos de sua escolha: 'Um foi a minha presença no Triângulo Mineiro, onde tenho faculdade e um time de basquete, e o segundo foi o apoio financeiro, claro.'
Com isso, ganhou o direito, desde julho de 2005, de participar de todas as atividades parlamentares, entre elas a participação ativa na defesa dos senadores acusados e absolvidos da denúncia de terem participado da máfia das ambulâncias.
Na Câmara, quando o cargo fica vago a substituição é feita pelo candidato seguinte mais votado na coligação ou no partido. No Senado, a lei permite o acochambro ao arrepio do princípio da representação decorrente do voto popular, situação que suas excelências, se quiserem, podem mudar.
Desvio
A discordância do PSOL com a escolha de Gustavo Fruet para concorrer à presidência da Câmara tem mais a ver com a distorção do propósito do chamado grupo independente do que com divergências ideológicas.
Segundo o deputado Chico Alencar, com Fruet o grupo torna-se dependente das questões internas do PSDB - 'cuja crise não nos cabe resolver' -, deixando em segundo plano o propósito original da prioridade absoluta à recuperação do diálogo entre Parlamento e sociedade.
Nome ao boi
Independentemente das razões, o PSOL produziu a mais criativa tradução da nova versão da 'terceira via'. É a 'via das dúvidas'.
Para uma candidatura tucana, a denominação é quase uma redundância de tão adequada.