Artigo - Gilberto de Mello Kujawski |
O Estado de S. Paulo |
18/1/2007 |
Dois discursos, duas cabeças, dois estilos de liderança diametralmente opostos. O discurso de posse de Lula e o de José Serra. Discurso de Lula? O discurso de Lula não foi de Lula. Ele selecionou na intelligentsia petista um trio bem afinado na adulação para redigi-lo: o melífluo Luiz Dulci, o azedo Marco Aurélio Garcia e João Santana, águia do marketing e profissional do ilusionismo, que deu o tom à fala presidencial, um espetáculo de pirotecnia de ponta a ponta. Um palavreado compósito, montado a cola e tesoura, que reflete bem a colagem precária em que (in)consiste a personalidade de Lula. Já o discurso de Serra saiu dele mesmo, de Serra em pessoa, sem intermediário nem redator fantasma. Brotou daquele fundo de autenticidade de onde procedem suas idiossincrasias e seu mau humor, mas de onde emanam também conceitos lúcidos e maduros como aquele, antológico, no qual replica ao mote tradicional de que a política nada mais é que a arte do possível: 'Não, a política deve ser a arte de alargar os horizontes e limites do possível.' Nem a mediocridade de sujeitar-se ao possível, nem o delírio da utopia descabelada. Simplesmente, tomar o possível nas mãos e alargar seu horizonte. Este homem só age movido por necessidade íntima, fundado em bases sólidas e com os pés apoiados firmemente na terra. E pensa grande. Ao contrário do que se comenta, ele faz bem em falar em termos nacionais e também planetários: 'O cidadão global inexiste.' Será 'nacionalismo' - pergunto - reconhecer que as nações ainda existem? A parlenga de Lula desenrola-se na dimensão do virtual. Uma enfiada de intenções, promessas, devaneios voluntaristas relativos ao que deveria ter feito e não fez: destravar a economia, ampliar o investimento público, desonerar o investimento privado, etc. (conforme assinalou este jornal em editorial recente). Uma repetição de lugares-comuns, obviedades, platitudes, previsibilidades que provocaram o sono na ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, e no senador neopetista Augusto Botelho, e um longo e enfastiado bocejo no deputado stalinista Aldo Rebelo. A platéia dorme e boceja quando sente a insinceridade e a falta de convicção do orador, perdido em mesmices altissonantes. A linha condutora da fala presidencial não foi o País nem seu futuro, foi a autolatria do tribuno, cada vez mais absorto no culto e na adoração de si próprio. Intenções vagas, promessas sovadas e mesmices repetidas que terminaram num plágio, desde a frase: 'Eu pedi forças... e Deus me deu dificuldades para fazer-me forte.' Esta frase e as seguintes foram extraídas da oração Conversando com Deus, que circula em várias edições, por exemplo, na da Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas. A oratória de Serra é de outro quilate: densa, madura, refletida, sobretudo pessoal, condensando múltipla, vasta e sofrida experiência da vida e sincera capacidade de autocrítica, marcada pela absorção regular e sistemática de leituras de longo curso. Cita até o nome do grande rabino Hillel, da época de Cristo, um sábio reconhecido por todas as religiões monoteístas. 'Creio no ensinamento dos filósofos, de santos e profetas de todas as religiões de que o único jeito de assegurar a si mesmo a felicidade é aprender a dar felicidade aos outros.' Serra surpreende. Ele possui intimidade, vida interior, coisa rara nos políticos, animais irrequietos que vivem farejando oportunidades e alterações no regime da opinião pública, sempre antenados para fora, em estado de alerta. Só os políticos geniais possuem intimidade, um Napoleão (apaixonado por poesia lírica, leitor dos poemas de Ossian), um Lincoln, um De Gaulle. Fernando Henrique é, essencialmente, homem de saber, de estudo e teoria, e só secundariamente homem de poder. José Serra é, nuclearmente, um homem de ação, e de ação tempestuosa, mas movido por ventos de cultura humanista. E Lula? Homem de saber ele não é; de ação, também não (com seu processo de decisão sempre adiado, tropeçando em mil e uma circunstâncias do varejo). Afinal, quem é este Luiz Inácio, orgulhoso de sua origem humilde e de seu ofício de torneiro mecânico? Lula é o político que finge não ser político, para melhor conquistar o coração de um eleitorado totalmente descrente dos políticos. Este é seu segredo, sua comédia de poder. O que é sumamente perigoso, pois, na medida em que se dissocia da condição de político, ele se desvincula de todas as instituições e dos instrumentos da vida republicana, Congresso, Judiciário, Lei, partidos, imprensa, tentado a governar sozinho. Chavismo, lulismo, fidelismo, kirchenismo, será que a América Latina está regredindo para o obscurantismo populista, trocando as instituições democráticas pelo culto grotesco da personalidade? 'Socialismo o muerte!' Chávez é um dinossauro do progressismo cucaracha. Este é seu 'socialismo do século 21'. A questão é a seguinte: saber ou não saber dominar a máquina (do governo). Lula, em seu discurso, dá a impressão de que não sabe dominar a máquina. Sua perspectiva é o virtual, intenções, promessas, voluntarismos, a linguagem mentirosa de alguém que foge da realidade. Um amador desastrado. Serra dá a impressão de que sabe dominar a máquina. Sóbrio, refletido, veraz e realista, sabe acionar as alavancas na ordem certa e tomar o rumo esperado pela sociedade em seu conjunto. Um profissional experimentado. É conhecida a tirada de Jean Cocteau sobre Victor Hugo (visto com ódio e amor pela intelectualidade na França): 'Victor Hugo é um louco que se acreditava Victor Hugo.' Pois Lula, com sua megalomania e seu 'carisma', é um demagogo que acredita ser Lula, aquele Lula que está sempre improvisando coisas velhas no palanque. |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
quinta-feira, janeiro 18, 2007
Dois discursos
Arquivo do blog
-
▼
2007
(5161)
-
▼
janeiro
(447)
- Diálogos & dialéticas Roberto DaMatta
- FERNANDO RODRIGUES Lula 2.0
- CLÓVIS ROSSI Fim da história, de novo?
- Míriam Leitão - Destravar usinas
- Merval Pereira - Milho para as galinhas
- Dora Kramer - Vitória pírrica
- AUGUSTO NUNES O dinheiro foi para o buraco
- Opinião: A anistia que não deu certo Jarbas Passar...
- Dora Kramer - Conflito permanente
- Os crediários de Lula 1 - Vinícius Torres Freire
- O mundo começou e acabará sem o homem- Gilberto Dupas
- Médicos em emergência
- Clóvis Rossi - O fantasma do cassino
- Decisão temerosa- Ives Gandra da Silva Martins
- Jogo de palavras
- Luiz Garcia - Só para os outros
- Merval Pereira - Vitória política
- Míriam Leitão - Não adianta negar
- De novo, Angra 3 LAURA CAPRIGLIONE
- LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA Globalização comercial...
- FERNANDO RODRIGUES Razão e acomodação
- O contribuinte que se prepare
- Nivelando por baixo- Marcelo de Paiva Abreu
- Nem vai nem racha- Fernando de Barros e Silva
- Decadência sem elegância- Mário Magalhães
- Aliança perigosa
- A tentação chavista - Fábio Ulhoa Coelho
- PAC não ataca questão fiscal, diz Pastore
- Entrevista // Yeda Crusius
- LULA PERSEGUE NOVA REELEIÇÃO: AS PROVAS por Paulo ...
- AUGUSTO NUNES A CAPITULAÇÃO DOS FLAGELADOS
- AUGUSTO NUNES SETE DIAS JB
- FERREIRA GULLAR Pânico no jardim
- JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN Lula 2 x Lula 1
- PLÍNIO FRAGA Afeto que se encerra
- VALDO CRUZ Em nome de quem?
- CLÓVIS ROSSI -Moisés e as reformas
- MIRIAN LEITÂO Dois pontos
- MERVAL PEREIRA Reformas necessárias
- A 'quarentena' remunerada
- A agonia do Fórum Social Mundial
- As águas de Tom Jobim Daniel Piza
- Alberto Tamer Relançar Doha é conversa fiada
- Mailson da Nóbrega O Mercosul de Lula e a União E...
- Mailson da Nóbrega O Mercosul de Lula e a União E...
- O PAC esqueceu os excluídos Suely Caldas
- Dora Kramer Campeões morais
- Gaudêncio Torquato Um eterno recomeço
- Paulo Renato Souza Semana decisiva para o Brasil
- FERNANDO RODRIGUES Universo paralelo
- CLÓVIS ROSSI As duas cruzadas
- Fugindo das bolas divididas Jorge J. Okubaro
- Tema descabido
- DORA KRAMER Sem reforma, sem mais nada
- Miriam Leitão Fios desencapados
- MERVAL PEREIRA -Falsa questão
- VEJA Carta ao leitor
- MILLÔR
- Diogo Mainardi
- Roberto Pompeu de Toledo
- Lya Luft
- VEJA Entrevista: Delfim Netto
- Pesquisa VEJA/Ibope: os políticos no fundo do poço
- Controladores de vôo planejam novo caos aéreo
- Os tucanos tentam livrar o estado da calamidade
- As fraudes com as urnas eletrônicas
- Pacote não melhora a economia
- Líbano Hezbollah empurra o país para a guerra civil
- Israel O presidente é acusado de assédio e estupro
- Venezuela Chávez rasga jornal brasileiro e é apl...
- Bolívia Uma Marinha fora d'água
- Ecstasy atrai jovens da classe média para o tráfico
- Clint Eastwood, o maior ícone vivo do cinema
- Winston Churchill, de Stuart Ball
- Um déficit da Previdência caiu Vinícius Torres Freire
- PT anuncia "reflexão" mas mantém tudo como antes
- O crescimento da economia- Luiz Carlos Mendonça de...
- Infeliz aniversário- Barbara Gancia
- Justiça para todos - Nelson Motta
- Economia mundial ajudou o Brasil
- Corrida pelo álcool
- Ai dos vencidos!- Aldo Pereira
- Clóvis Rossi - Onde é mesmo a selva?
- Dora Kramer - Saída (quase) à francesa
- Luiz Garcia - Saindo e não voltando
- Merval Pereira - Sem competitividade
- Míriam Leitão - Até que ponto?
- Valdo Cruz - Independência, jamais
- Serra e os juros: "O Brasil precisa redescobrir o ...
- VINICIUS TORRES FREIRE Riso e ranger de dentes pós...
- PLÍNIO FRAGA Postar é...
- To PIB or not to PIB MELCHIADES FILHO
- CLÓVIS ROSSI Não é ainda caso de suicídio
- Roberto Macedo PAC - micro sem macro
- Alberto Tamer Com ou sem o PAC o mundo é belo
- DORA KRAMER Um barco a vagar
- Cora Ronai Brasil, o país mais caro do mundo
- Miriam Leitão Erros nada originais
- DEMÉTRIO MAGNOLI Sindicato de deputados
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Os vinhos no Chile
-
▼
janeiro
(447)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA