Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 20, 2007

Como evitar desastres como o do metrô de São Paulo

As lições da tragédia

Tão importante quanto achar os culpados
pelo desmoronamento no metrô de São
Paulo é entender como evitar a repetição
de um desastre que não é inédito


Eduardo Burckhardt e Roberta de Abreu Lima

Alex Silva/AE

FALTOU UM ALARME
Bombeiros retiram um dos corpos: não houve alerta para quem estava passando pelo local



NESTA REPORTAGEM
Quadro: Operação de risco

Uma semana depois do colapso da obra da Linha 4 do metrô de São Paulo, nem todas as vítimas haviam sido resgatadas, mas já estava em pleno curso a caçada aos culpados. Antes mesmo de qualquer investigação, adversários do modelo de privatização adotado pelo governo paulista puseram a culpa no contrato tipo "porteira fechada", que supostamente reduz a ingerência do Metrô sobre a fiscalização do consórcio construtor. Políticos insinuaram que houve pressa na execução dos trabalhos. Sindicalistas garantem que seus alertas sobre a insegurança no local foram ignorados. Até São Pedro foi apontado como responsável, por engenheiros do consórcio, mesmo diante da evidência de que qualquer obra tem de resistir a uma temporada chuvosa.

Só as investigações da Justiça e as perícias independentes permitirão resolver essa questão; mas tão importante quanto determinar os culpados desse caso é tirar lições para que ele não se repita no futuro. A história demonstra que no Brasil isso raramente ocorre. Basta lembrar que em 1993 um túnel sob a Avenida Juscelino Kubitschek, na capital paulista, feito com o mesmo método construtivo usado desta vez, e com a participação da mesma CBPO, que integra o consórcio da Linha 4, também desmoronou e abriu igualmente uma cratera – por sorte, sem vítimas.

Em países onde acidentes são levados a sério é possível encontrar bons exemplos. Em um caso quase idêntico ao que ocorreu em São Paulo, a obra do metrô sob o aeroporto de Heathrow, em Londres, desabou em 1994. Os ingleses fizeram uma investigação, puniram os culpados – projetistas e construtores – com pesadas multas e, melhor do que isso, elaboraram um extenso relatório sobre os riscos do método construtivo empregado no metrô de Pinheiros. Se as autoridades brasileiras tiverem curiosidade de consultá-lo, o trabalho se chama "O risco para terceiros na escavação de túneis em terrenos frágeis" e está disponível no site www.hse.gov.uk. Esse estudo recenseou nada menos que 66 "eventos de emergência" em obras do gênero, em todo o mundo, desde os anos 70, quando esse sistema de escavação se disseminou. O relatório apontou medidas para reduzir os riscos – basicamente, fiscalização detalhista e freqüente – e desde então não mais houve acidentes do gênero na Inglaterra com esse método.

O tal método é o NATM, sigla inglesa para Novo Método Austríaco de Construção de Túneis, aqui apelidado entre engenheiros de "túnel mineiro". Emprega equipamentos como perfuratrizes e escavadeiras para abrir o buraco e é mais barato que o do "tatuzão", dotado de uma gigantesca máquina de perfuração e utilizado em outros trechos do metrô paulistano. Mas é mais arriscado. Enquanto o processo do "tatuzão" avança simultaneamente à construção do tubo de concreto do túnel, no NATM o calçamento de teto e paredes acontece bem depois do avanço das máquinas, o que faz a sustentação da obra depender da estabilidade do terreno escavado. O risco é maior em áreas instáveis como a da margem do Rio Pinheiros. O relatório inglês diz que 55% dos acidentes com o NATM criam uma cratera na superfície, como a que se abriu numa rua de Pinheiros e tragou um microônibus de transporte público. "Adequadamente executado, não há nada errado com esse método", garante o engenheiro e consultor internacional John Anderson, um dos autores do relatório inglês. "Mas em solos instáveis, se não houver cuidados especiais, é um processo impiedoso com erros e que faz o barato sair muito caro." O consórcio construtor da obra, que recebe valor fixo pela execução do projeto, nega que o NATM tenha sido escolhido por razões de custo ou prazo.

Ag. O Globo
Rex Features

JUSTIÇA LENTA
A queda do elevado no Rio de Janeiro, em 1971: emaranhado judicial retardou indenizações às vítimas por até uma década

LIÇÃO APRENDIDA
O colapso do metrô londrino, em 1994: acidente gerou um relatório com medidas para prevenir outros desabamentos

O desmoronamento em São Paulo também serve para observar, mais uma vez, quanto o emaranhado legislativo retarda a definição das responsabilidades. A Constituição, o Código Civil, a Lei de Licitações, o Código de Obras municipal e até os contratos de cada obra têm disposições que podem ser aplicadas conforme o interesse de cada parte. Na prática, esse será mais um daqueles casos que demandam anos de discussão judicial para concluir o óbvio: quem deu ordens ou executou serviços que resultaram na tragédia responde criminalmente pelo seu erro, e o dono da obra, tenha ou não falhado na fiscalização, é solidário no processo. Esse é o raciocínio de Saad Maslun, um dos promotores envolvidos com a investigação do Ministério Público. Discute-se ainda por que a vizinhança não foi alertada sobre a emergência, já que houve tempo para os operários saírem correndo do túnel antes do desabamento. As versões sobre o tempo para que eles fugissem são conflitantes e variam entre noventa segundos e quinze minutos. Havia um plano de emergência, que previa uma equipe encarregada de bater na porta das casas próximas, mas esse plano não chegou a ser executado.

Pelo menos a questão da indenização das vítimas poderá, nesse caso, ter um desfecho diferente do que se vê historicamente. Os parentes dos mortos e outras vítimas da queda do Elevado Paulo de Frontin, ocorrida no Rio de Janeiro em 1971, esperaram entre seis e dez anos pelas indenizações. Na semana passada, o governador José Serra disse que, caso haja controvérsias em relação às indenizações, o estado pode vir a assumir todos os custos do acidente, para cobrar depois das seguradoras, se tiver esse direito.

Acidentes em obras de grande porte, como túneis, metrôs e pontes, não são incomuns. Na história da engenharia, ficou famosa a epopéia da Ponte do Brooklyn, em Nova York, cuja construção, no século XIX, custou 27 vidas. Há pouco mais de uma década, a obra do túnel de 50 quilômetros sob o Canal da Mancha, entre a França e a Inglaterra, registrou a morte de dez operários. Muitos dos erros fatais do passado foram compreendidos e serviram para evitar novos desastres. Espera-se que o mesmo ocorra no caso do metrô paulistano.

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