Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Chávez e o Brasil - Luiz Felipe Lampreia

Chávez e o Brasil


O Estado de S. Paulo
19/1/2007

Nesta semana, em que temos a visita do presidente Hugo Chávez ao Rio de Janeiro, vale a pena examinar seu interesse para o Brasil e as características de nosso atual relacionamento com a Venezuela.

Como se sabe, a Venezuela continua a viver apenas de seu subsolo. Gerações sucessivas configuraram este padrão, embora o visionário fundador da Opep, Pérez Alfonso, tivesse advertido já na década de 60 que era preciso semear o petróleo e que, se não o fizesse, a Venezuela ficaria apenas com o esqueleto dos elevados de Caracas quando se exaurissem as reservas. Ouviu-o dizer isto no quintal das mangueiras de sua casa em Caracas. Passaram-se mais de 30 anos e o governo de Chávez só faz tornar mais realista a profecia do Pérez Alfonso, na medida em que desestimula qualquer investimento privado, inclusive em petróleo, funda toda a sua política no assistencialismo, alimentado pelas receitas da monoexportação, e agora nacionaliza algumas das maiores empresas privadas do país.

Surgem sinais de que as contas do Estado começam a deteriorar-se sob o peso do gigantismo das despesas e da redução dos preços do petróleo, que só este ano já atingiram 15%, para não mencionar a queda de produtividade da PDVSA, obrigada a desdobrar-se como o caixa do governo. Creio que, na lógica chavista, o ímpeto das nacionalizações explica em parte o afã arrecadador e visa a aumentar os instrumentos do Estado para que a Venezuela possa prosseguir nas suas políticas interna e externa, ambas baseadas na distribuição de recursos às camadas mais pobres ou aos Estados clientes, como Cuba, Bolívia e Nicarágua e até as vítimas da furacão Katrina, nos Estados Unidos. Este método tem limites, evidentemente. Como se sustentará com a baixa dos preços do petróleo, sem aumento da produtividade do país, sem investimentos, sem aumento da poupança privada? Não é difícil imaginar cenários negativos.

E o Brasil com isso?

O Brasil tem, desde o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, uma agenda sul-americana clara que se funda na integração energética, na expansão do espaço de atuação competitiva de nossas empresas e no aumento do intercâmbio comercial. É óbvio que a Venezuela figura prioritariamente nesta agenda e por isso é do interesse nacional manter boas relações com esse país, um excelente parceiro nos três níveis mencionados. O que não é claro, muito menos aconselhável, é permitir que Chávez dite o curso destas relações. Ora, a decisão de incluir a Venezuela no Mercosul, por exemplo, deveu-se apenas à vontade do presidente venezuelano. E este obedeceu apenas a critérios políticos, principalmente para evitar o isolamento de seu país em sua política externa errática e formar um bloco tão estridente quanto a própria Venezuela. Os quatro integrantes do Mercosul apenas aceitaram o pleito de Chávez e lhe abriram as portas sem condições prévias, nem políticas nem econômicas, ao contrário do que faz qualquer grupo de integração econômica sério. Desse modo, ninguém vai ter agora condições de fazer exigência alguma, pois a Venezuela já é um membro pleno do Mercosul.

Creio que com isso demos um grande tiro no pé e estamos reféns de Chávez. Ou seja, temos na Venezuela um sócio que se aproxima cada vez mais do totalitarismo e se afasta de qualquer padrão democrático, que cita Trotski (“a revolução nunca termina”) e grita “Pátria,socialismo ou morte” na sua posse; um sócio que contraria regras que nos importam muito, como a liberdade de imprensa, a democracia representativa, o respeito às normas legais que regem as atividades econômicas; um sócio que pretende levar-nos a um antiamericanismo sistemático e militante, quando os Estados Unidos são nosso principal parceiro comercial e maior investidor.

Dizer que trouxemos Chávez para o Mercosul a fim de influenciá-lo é uma ilusão. No passado, fizemos a experiência e em alguns casos até conseguimos moderá-lo, mas era um trabalho de Sísifo, com recaídas sistemáticas. Hoje, de posse dos enormes recursos do petróleo e senhor incontrastável da política de seu país, ele só escuta verdadeiramente seu guru Fidel Castro e só faz o que quer. Conheço-o bem, tivemos muitas conversas quando fui ministro do Exterior do presidente Fernando Henrique. Chávez tem a determinação militar de alcançar o objetivo planejado, a inteligência viva, a ideologia incandescente, a fé passional de um cristão-novo e uma boa dose de desequilíbrio mental. Seu objetivo é tornar-se o líder de uma América Latina revolucionária e socialista, como Fidel tentou, sem êxito, ao mandar Che Guevara para seu patético fim na Bolívia, nos anos 60, e ao enviar suas tropas e seus fuzis para a Granada de Bishop ou a Nicarágua sandinista, na década de 80.

Entre Chávez e Lula há enormes diferenças de compromissos e de convicções. Em minha opinião, muito mais do que aliado e parceiro, Chávez é um rival de Lula, que vê no brasileiro um ex-homem de esquerda que “se acomodou aos interesses burgueses” e se tornou um pragmático (para nossa sorte), o único que lhe faz sombra em termos de popularidade latino-americana e que representa um interlocutor confiável das grandes potências do mundo, ao contrário da Venezuela. O episódio da precipitada ocupação militar das instalações da Petrobrás na Bolívia, com pleno apoio venezuelano, já foi prova eloqüente disso. Bem faria o governo brasileiro se orientasse nossas relações com a Venezuela pela percepção clara destas diferenças e soubesse fazer a distinção de interesses fundamentais que existe hoje entre os dois países, sem deixar a Chávez o privilégio de dar o tom das relações bilaterais.

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