Além de desastrosa e inoportuna, como se comentou ontem nesta página, a suspensão do processo de concessões de rodovias federais à iniciativa privada evidencia que o País está sem governo. O primeiro mandato do presidente Lula terminou e o segundo não começou. A menos que se conclua que começou, sim - mas fará a proeza de ser um retrocesso em relação ao anterior. As explicações da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para a enormidade sugerem que se trata de uma trapalhada própria de uma situação de desgoverno, ou isso combinado com uma irrupção do estatismo sempre vivo em estado latente num governo em que a ministra Dilma manda muito. De qualquer forma, a decisão vai a toda velocidade na contramão da realidade objetiva do setor.
Um estudo da Confederação Nacional dos Transportes citado em matéria do Estado de ontem mostra o abismo entre a qualidade das rodovias administradas diretamente pelo poder público, sem cobrança de pedágio, e a daquelas concedidas a empresas privadas e pedagiadas. No primeiro caso, é ruim ou péssimo o estado de 41% dos mais de 73 mil quilômetros pesquisados. No segundo, apenas 4% dos mais de 10 mil quilômetros avaliados estão em más ou muito más condições. Só isso bastaria para tirar o gás do argumento da ministra de que a idéia de rever os critérios para novas concessões visa à cobrança das “menores tarifas possíveis” de pedágio, para reduzir o “custo Brasil”. Em primeiro lugar, o governo finge ignorar o fato comprovado de que cada R$ 1 gasto com pedágio proporciona um retorno equivalente a R$ 1,84 para a sociedade. Em segundo lugar, finge ignorar que nas licitações vence quem se propõe a cobrar “as menores tarifas possíveis”.
Outra versão difundida para o mau passo sustenta que o governo agiu movido pela suspeita de que as concessionárias do setor estariam se comportando como um cartel - o que é desmentido pelo fato de o governo ter a prerrogativa de estabelecer um teto para as tarifas em cada contrato. Na verdade, tudo indica que se tratou do enésimo caso de decisão impensada da era Lula. As declarações da titular da Casa Civil publicadas ontem fazem crer que ela tentou consertar o estrago que provocou a suspensão de regras de licitação que o Tribunal de Contas havia levado um ano para aprovar. Agora, diz que o governo manterá o sistema de concessões sob um novo modelo de outorga que resultará de um estudo a ser feito ainda este ano (esqueceu-se de que estamos em janeiro), “no prazo mais rápido possível”.
Dificilmente se esclareceria melhor o que é, na prática, a “pressa, ousadia, coragem e criatividade” prometida por Lula no discurso da segunda posse. A impressão é de que voltamos aos dias inaugurais do primeiro mandato, quando os estreantes no poder federal estavam determinados a fazer tábula rasa de tudo e recomeçar do zero. (Bem pensadas as coisas, Lula continua presidente porque isso ficou quase sempre apenas no plano das intenções.) As explicações de Dilma Rousseff correm o risco de ter a mesma credibilidade de sua taxativa afirmação de que “o governo está funcionando a todo vapor”. Para negar o que é visível a olho nu, a ministra ofereceu a hilariante evidência: “Não sou a única trabalhando. Há vários ministros em atividade.”
A julgar pela capotagem da licitação para a concessão de 2.600 quilômetros de estradas federais, ninguém poderá ser criticado se comentar maldosamente que ainda bem que nem todos os ministros nem o presidente Lula estão em atividade. Mas passemos. A amarga, indisfarçável realidade é que quatro anos de lulismo foram pura treva para a rede nacional de estradas, logo, para a redução do custo Brasil. A sua única “realização” no setor foi a grotesca operação de tapar os buracos que a sua própria omissão e incompetência abriram na malha rodoviária federal, de Norte a Sul do País. Quando se tem em mente esse descalabro, soa simplesmente acintoso o anúncio de que, “ainda este ano, no menor prazo possível”, o Planalto concluirá o estudo que seguramente ainda não começou para formular o bendito modelo que pautará os contratos de concessão a serem licitados em data obviamente incerta e não sabida.
Nesse meio tempo, os potenciais investidores no setor levarão os seus recursos a paragens mais seguras - ainda mais diante da possibilidade, não negada, de o governo criar uma “Pedagiobrás” para coroar o retrocesso.