As chuvas abundantes deste verão estão enchendo os reservatórios das hidrelétricas do Centro-Sul, mas o risco de apagão elétrico dentro de mais dois ou três anos continua real.
O setor do álcool e açúcar dispõe de um volume de bagaço e de palha de cana que, se queimado em condições adequadas, poderia aumentar a produção de energia elétrica e reduzir esse risco. O que falta para isso acontecer?
Pelos cálculos de Plínio Nastari, presidente da Datagro (empresa de consultoria na área de cana-de-açúcar), o potencial de geração térmica a partir do bagaço da cana hoje existente é de 8 mil MW. (Só para comparar, Itaipu dispõe de 12,6 mil MW de potência.) No entanto, a potência instalada para geração de energia por meio da queima de bagaço de cana-de-açúcar não passa dos 860 MW.
No Brasil há 6 milhões de hectares ocupados com plantação de cana, área que cresceu 13% nos últimos três anos. Quanto mais se expande a produção de cana - cerca de 8% no mesmo período - mais resíduos ficam disponíveis para geração de energia. Mas, se há essas vantagens, por que essa energia é tão pouco aproveitada?
Onório Kitayama, assessor da área de co-geração da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), explica que o primeiro entrave é a falta de consciência do produtor de álcool e açúcar, que ainda não acordou para esse novo filão que poderia incrementar seu faturamento em até 20%.
O segundo é uma certa síndrome de Peter Pan que perpassa a política oficial. Hoje, por exemplo, quem dispõe de até 30 MW de capacidade instalada tem direito a desconto de 50% na Tarifa de Uso dos Sistemas de Distribuição. Acima disso, não tem desconto. 'Nessas condições, não é bom deixar de ser pequeno', reclama Kitayama.
Plínio Nastari também destaca a falta de clareza nas regras do jogo. O governo estimula a compressão das tarifas nos leilões para manter afastados eventuais concorrentes da Eletrobrás. Isso inviabiliza os investimentos. Nastari avalia que, para ser viável, a energia elétrica gerada por queima de bagaço de cana deveria alcançar preços entre R$ 160 e R$ 180 por MWh. Mas, nos leilões, esse valor tem parado em torno dos R$ 130.
A percepção do maior risco de apagão acaba de ser reforçada pelo teste que a Agência Nacional da Energia Elétrica (Aneel) impôs a 13 termoelétricas a gás. Ficou comprovado que a falta de matéria-prima quebrou cerca de metade da capacidade de geração nominal dessas usinas, de 4,8 mil MW.
O volume de investimentos necessário e o prazo de maturação de uma termoelétrica a resíduo de cana diferem pouco dos apresentados por uma termoelétrica a gás natural. Esta, no entanto, perde em dois quesitos ligados ao combustível: o custo substancialmente mais alto do gás natural; e a garantia de suprimento, que comprovadamente é incerto.
Ficou confirmado que as disponibilidades de gás são limitadas e, na medida em que dependem de suprimento boliviano, tomadas por incertezas políticas. Além disso, seu preço está sujeito às oscilações do mercado do petróleo.
Parece lógico que, nessas condições, fosse incentivado o uso de bagaço de cana, que existe em abundância e é só parcialmente utilizado pelas usinas para produção de energia. Mas a política oficial não se move nessa direção.