O Estado de S. Paulo |
16/1/2007 |
Em 1998, a Rússia passou um calote de US$ 40 bilhões e se deu bem. A Argentina renegociou a sua dívida externa de US$ 120 bilhões com um calote próximo dos 80% e também se deu bem. Ontem, no discurso de posse, o presidente eleito do Equador, Rafael Correa, defendeu a "renegociação firme" da dívida externa do país, que deverá embutir algum calote. Disse que parte dessa dívida "é ilegítima, pois foi contraída pela ditadura e para comprar armamento". E afirmou que "o serviço (juros) da dívida externa também é corrupção". As razões e os efeitos dos calotes passados por Rússia e Argentina são assunto para outro dia. Por hoje, fica a pergunta: se o calote da dívida tem dado certo, por que não fazer o mesmo aqui, se a dívida pública, de 50% do PIB, vai comer este ano juros de cerca de R$ 130 bilhões e tira recursos do investimento? Há algumas respostas a essa pergunta. Mas fiquemos com duas. A primeira é a de que o Brasil já não tem dívida externa líquida. Deve, é verdade, US$ 158,5 bilhões (posição de novembro), mas só US$ 74,6 bilhões desse total correspondem a passivo do setor público brasileiro. A maior parte foi contraída pelo setor privado, bancos ou grandes empresas. É a dívida do Bradesco, da Volkswagen, da Votorantim... Na dívida externa, a parcela correspondente ao setor público (governo federal, Estados e municípios) é inferior às posições de crédito no exterior. A rigor, o Brasil mudou de lado: é emprestador e não mais devedor. E não é mais país rico que empresta para país pobre; é o contrário - sinal dos tempos. Mais de 80% das reservas nacionais, hoje em quase US$ 88 bilhões, estão aplicadas em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. O país mais endividado do mundo é os Estados Unidos. Se a tese do presidente Correa fosse globalmente aceita, Brasil, China, Índia e outros países emergentes credores dos americanos se dariam mal. Imaginem se o presidente Bush disser que a dívida americana é ilegítima porque foi empregada em armamentos. A maior parte da dívida pública brasileira, que custa juros dos olhos da cara, não é externa, mas interna. O credor dessa dívida não é o banqueiro ou o agiota; somos todos nós que temos uma aplicação no banco. Muita gente não entendeu ainda que as aplicações em fundos de investimentos feitas em qualquer banco não são dívida do Itaú, do Unibanco ou do Santander, mas dívida do Tesouro brasileiro a ser paga em reais. Se o governo brasileiro atendesse aos que têm recomendado a via argentina (ou equatoriana, como está anunciando o presidente Correa), seria o dinheiro da classe média poupadora que evaporaria - e não o dos ricaços, fossem de que país fossem. Um argumento velho de guerra é o de que, só em juros, a dívida pública brasileira foi paga várias vezes, o que justificaria o calote. Um dia, o então presidente da Câmara dos Deputados, Ulisses Guimarães, disse isso. E o deputado Delfim Netto o deixou sem resposta só com uma observação: "Isso é como dizer que a casa deve ser transferida para o inquilino quando o total do aluguel pago alcançar o preço do imóvel." |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, janeiro 16, 2007
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