Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 21, 2007

CELSO MING As moitas roncam


Quando se procuram porcos, até as moitas roncam - diz um velho ditado português.

Pois é, em tempos de exacerbação política, como agora, parece inevitável que a decisão do Copom nesta quarta-feira, qualquer que venha a ser, fique contaminada por interpretações de conteúdo político.

Antes de prosseguir, duas observações - a primeira delas sobre essa idéia da exacerbação política. Neste momento, a negociação do presidente Lula com suas bases de sustentação ainda não se completaram; a reforma do Ministério vem sendo sucessivamente adiada; no Congresso fazem-se as mais disparatadas barganhas para a eleição do presidente da Câmara; na Cúpula do Mercosul se fez mais geopolítica do que integração econômica; e até mesmo a cratera do metrô de São Paulo virou ocasião especial para luta pelo poder. Enfim, a política porcina de hoje parece predisposta a mudar até mesmo a natureza das moitas.

A segunda observação é a de que o sistema de metas de inflação exige que o Banco Central calibre os juros de maneira a empurrar a inflação para dentro da meta, que neste ano é de 4,5%. O pressuposto é o de que essa decisão,eminentemente técnica, nem de leve se deixe contaminar por motivações políticas.

Desta vez, estão sobre a mesa apenas duas opções: a repetição de um corte nos juros de 0,5 ponto porcentual, para 12,75% ao ano; ou de apenas 0,25 ponto porcentual, para 13,0% ao ano.

Se o corte for de 0,5% ponto porcentual, vão dizer que o Banco Central foi frouxo demais diante da escalada da gastança federal; que a diretoria do Banco Central preferiu agradar ao governo Lula de modo a garantir com isso a recondução aos cargos que hoje ocupa; ou, então, que, enfraquecida pelas circunstâncias, preferiu não peitar o lado identificado com o 'fim da era Palocci', que agora pode estar dando as cartas na política econômica.

Se preferir adotar a dosagem da 'maior parcimônia' e cortar os juros em apenas 0,25 ponto porcentual, vão dizer que, desta vez, o Banco Central está reagindo ao aumento da gastança do governo Lula; ou que passou a sabotar o Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC, que, depois de tantos adiamentos, terá sido divulgado dois dias antes.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, vai insistir em que, também desta vez, a decisão do Copom foi absolutamente técnica. Mas, dada a exacerbação política da hora, talvez não lhe seja dada a atenção de outras vezes. Se isso vem acontecendo com o atual presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, repetidamente acusado de favorecer algumas iniciativas da administração Bush, por que não poderia acontecer com a atual diretoria do Banco Central que afinal não goza do mesmo grau de autonomia operacional?

Se realmente prevalecesse, esse viés político teria seu lado nocivo na medida em que o desencontro entre as expectativas dos fazedores de preços e as do Banco Central tira eficácia da política de juros.

Enfim, se a impressão geral é a de que o Banco Central está mais sensível a razões políticas, o nível de credibilidade da autoridade monetária fica arranhado.

Para essa predisposição à desconfiança talvez tenha contribuído a própria atuação do Banco Central ao longo do ano passado, quando pareceu ter dado pouca importância a elementos novos que vêm contribuindo mais do que os juros para derrubar a inflação. Enquanto calibrava o volume de dinheiro na economia para uma inflação que confluiria para os 4%, forças antes desconsideradas se encarregaram de puxá-la para baixo, para os 3,14%, nível em que acabou por chegar.

São três esses elementos: (1) o câmbio, que favoreceu as importações, aumentou a competição do produto nacional com o estrangeiro e conteve a alta dos preços administrados; (2) a China, que vem derrubando os preços dos bens industrializados no mundo inteiro; e (3) a liquidez, a nunca vista abundância de recursos que está derrubando o custo do capital nos mercados globais.

Além disso, a política de gerenciamento das expectativas vai enfrentando a manifestação de um problema crônico já mencionado: a falta de autonomia operacional do Banco Central. Seus diretores não são apenas demissíveis ad nutum. Em tempos de mudança de governo, sua permanência no cargo fica ainda mais vulnerável do que habitualmente ao jogo político rasteiro.

Felizmente, o Brasil é maior do que as crises, do que os porcos transviados e as moitas com que eventualmente possam ser confundidos.

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