Engolir sapo faz parte da diplomacia, sorrir para ele configura parceria
O Brasil brinca com fogo, põe em perigo o Mercosul e arrisca-se, mais dia menos dia, a ser parte de um conflito internacional se continuar nutrindo simpatia pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e não tratar de manter uma relação mais fria com um governante cada vez mais ousado em seu projeto autoritário de poder interno e criador de casos externos.
'Engolir sapos é inerente à diplomacia, mas fazer festa e sorrir para o sapo, além de desnecessário, pode representar um risco grave para os interesses do Brasil', diz Marcos Azambuja, ex-embaixador do Brasil em Buenos Aires e Paris, ex-secretário-geral do Itamaraty e integrante de um grupo de diplomatas seniores, referência na chancelaria brasileira.
O embaixador não vê termos de comparação entre o presidente Luiz Inácio da Silva e Chávez, para ele não uma novidade, 'mas uma antiguidade'.
O único ponto em comum entre os dois presidentes, na visão dele, é a 'matriz populista'. Mas, enquanto em Lula esse traço político de origem se traduz num 'populismo benigno', conciliador, no venezuelano encerra 'uma certa malignidade'.
Exatamente pelas diferenças nas atitudes, propósitos e interesses é que o embaixador acharia aconselhável o quanto antes o governo brasileiro evoluir da condescendência - 'às vezes extrema' - para uma posição mais neutra, distante mesmo.
A frieza, na visão de Azambuja, agora é o único gesto possível. 'Na diplomacia não podemos agir com base em suposições, em coisas que ainda não aconteceram. É preciso atuar com base em fatos.' E fatos que podem vir a justificar, e a exigir, um confronto, acredita, Hugo Chávez não tardará a produzir.
'Ele já está errando e feio. Dividiu a América Latina, onde países como Peru, México e Chile o rejeitam e satélites como Bolívia e Equador se aliam a ele; é malvisto na Europa, nos Estados Unidos e agora, com a proximidade com o Irã, se envolve no Oriente Médio, alinhado à capital do xiitismo. Foi uma provocação de conseqüências ainda imprevisíveis e provavelmente desastrosas.'
Na opinião de Azambuja, ao 'dobrar' sempre suas apostas, Chávez contrata para si uma crise com os americanos, com os árabes e com Israel. Por isso, aposta, 'seus problemas mais graves não virão da América do Sul, mas das áreas poderosas com as quais ele compra cada vez mais conflitos. O Brasil não pode ser visto como parceiro disso'.
O embaixador considera um erro grande o governo brasileiro ter patrocinado a entrada da Venezuela no Mercosul. Põe em risco o bloco, cuja atuação já não é animadora.
'Enquanto todas as regiões se associam, nós caminhamos na contramão. À parte os problemas no Mercosul, causados por incompetência, açodamento e ausência de firmeza institucional no bloco, agora surge esse fator de desagregação que é a antítese do sentido da associação.'
Todo o esforço para assegurar a sobrevivência do Mercosul, na concepção de Marcos Azambuja, deve ser empregado pelos sócios e, em particular, pelo Brasil. O primeiro e fundamental passo é impedir a transformação do bloco num aparelho a partir do qual Hugo Chávez fará suas batalhas com o resto do mundo.
Trata-se, na opinião do embaixador, de 'um agente provocador', tonitruante, rico, 'um maluco como tantos outros com os quais tivemos de lidar' e que qualquer hora vai provocar um desastre. 'Esse tipo começa bem, mas costuma terminar mal.'
Para o embaixador, tanto Lula quanto Fernando Henrique Cardoso subestimaram a capacidade de manipulação de Chávez, acreditaram poder controlá-lo. 'Ele se aproxima do Brasil como se fosse um jovem diante de um irmão mais velho a quem admira e deve reverência. Massageia os egos, mas, na verdade, é um manipulador de excelente retórica e aguda inteligência.'
Azambuja acha que o presidente Lula já percebeu as intenções do parceiro e o trata hoje com menos amabilidade. Mas o personagem, insiste o embaixador, requer distância e uma boa dose de firmeza.
Por exemplo, em relação à afirmação em prol da democracia na região. Isso não significa o Brasil se imiscuir nos assuntos internos da Venezuela nem patrocinar condenações à óbvia escalada autoritária de Chávez. 'O Mercosul precisa mostrar a ele que o clube tem regras, sendo a principal delas o compromisso democrático', diz.
'Se ele fosse um errático qualquer, até poderia ser visto com risonha indulgência, mas ele não é. Acha que tem jurisdição internacional e, internamente, não se deu conta de que a democracia é a expressão da vontade da maioria, mas também o respeito ao direito da minoria.'
A necessidade de o Brasil marcar uma posição, a despeito das simpatias existentes no governo em relação à estridência chavista - 'como se ele estivesse fazendo o que gostariam de fazer' - é, para Marcos Azambuja, crucial para o País não se associar ao 'desastre' vindouro, não despertar a desconfiança no mundo e sobretudo para não ser acusado de tê-lo incentivado.
E se Chávez prosperar em seus intentos?
'Aí a América do Sul volta para o século 19.'