Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Alberto Tamer - Itamaraty trava o crescimento




O Estado de S. Paulo
4/1/2007

O título parece duro, mas é até ameno diante das desditas da política comercial brasileira nos últimos quatro anos e a insistência inexplicável do ministro Celso Amorim, com o total apoio do presidente, em reafirmar que nada muda neste novo mandato do governo Lula. Vai continuar dando prioridade ao comércio Sul-Sul, isto é, aos países pobres, intensificando negociações com a África e o Oriente Médio e abrindo uma nova frente no leste asiático. Para o Itamaraty e o presidente, os mercados americano e europeu, que representam mais de 40% das exportações brasileiras e vêm crescendo de forma exponencial, continuarão em segundo plano. O Brasil é seguramente o único entre os emergentes que caminha para trás.

Para o ministro, porém, acima de tudo está a nossa soberania, como se negociar e fechar acordo com os importadores ricos pusesse em risco a segurança nacional... E é por isso mesmo que o País é um anão comercial, representando pouco mais de 1% do comércio mundial.

A equipe econômica se desespera, convencida de que sem o aumento das exportações para os mercados mais dinâmicos, que pesam, a economia não cresce, mas nada pode fazer. E se desespera em vão com a nossa perda do mercado mundial para países recém-chegados, emergentes como nós, porém mais pragmáticos e ágeis, como a China e até o traumatizado Vietnã, aquele de 30 anos de destruição e guerra.

TODOS SOFREM, MAS EM VÃO

Em suma, todo o setor privado mergulha na mesma angústia ao ver até o mercado interno ser invadido por todo o mundo, a começar pela China, que nos concede migalhas das cotas de importação de alguns produtos mais sensíveis, enquanto continua roubando mercados aqui dentro e lá fora. É uma sinfonia desafinada de enganos da diplomacia brasileira, que deu graciosamente à China os direitos de economia de mercado...

MAS, ORA, TEMOS A OMC!

Outra meta ilusória, mas prioritária, do ministro é concluir em 2007 o eterno e sempre adiado - há quase 10 anos! - acordo de liberalização comercial na OMC. Só nós, ingênuos, acreditamos nele. Cada país negocia acordos isolados, mas nós não. Caímos mesmo no ridículo da grande união sul-americana, dos laços com Hugo Chávez, enquanto outros países da região, inclusive o agilíssimo México, fecha e amplia acordos isolados com os EUA.

Curioso é que agora nem a China nem a Índia ligam para nós. Perdemos investimentos para eles e para a Rússia.

Os nossos irmãos emergentes recebem por ano mais de US$ 100 bilhões em investimentos diretos e, acreditem de novo, o pobre Vietnã absorveu US$ 8 bilhões no ano passado, enquanto nós marcamos passo em suados US$ 18 bilhões. Será isso o que o nosso potencial econômico pode absorver?

Na verdade, todos riem do nosso isolamento comercial.

SÓ ENTRA DINHEIRO QUE SAI

É isso o que dizem os estudos divulgados no fim de 2006, feitos em Genebra, Bruxelas, na OCDE, na Unctad. São números que nos colocam no fim da fila dos países selecionados pelos grandes grupos de investidores internacionais.

O que entrou muito no Brasil, e vai continuar entrando ainda neste ano, são investimentos financeiros líquidos, sem nenhum compromisso de ficar. Chegam, realizam lucros e podem sair quando quiser. Isso porque esses investidores financeiros confiam nas autoridades monetárias. Elas deram provas de constância, de que as regras não mudam, ao contrário, até lhes permite comprar títulos da imensa dívida interna e externa, de 74% do PIB! Nenhum país onde o Estado absorve, em impostos, 40% e deve 74% do PIB pode ser levado a sério pelos investidores. As regras não mudam para o capital financeiro, mas sim para os investimentos diretos. Isso é o que se chama de inteligência às avessas.

Punimos quem vem para produzir, investir em fábricas, portos, estradas, usinas, linhas de transmissão, e abrimos os braços a quem chega para ganhar. Escorraçamos o capital que fica e fazemos festa para o que pode sair a qualquer momento. Dá para entender?

A escassez de investimentos é a causa principal do fraco crescimento econômico e da pobreza. É sinônimo da miséria mesmo, porque o investidor nacional é mais atraído para o rentável financiamento da dívida do governo de quase R$ 1,5 trilhão. Isso quando esse mesmo investidor nacional não vai embora, como está indo, em busca de melhor oportunidade. E sabe para onde? Para os nossos competidores, para a China, a Índia, a Rússia e, acreditem, até mesmo para os EUA e a Europa! Mais grave, dívida feita não para o Estado investir, mas para financiar dívidas acumuladas e gastos improdutivos.

Combater a pobreza e a miséria, como?

FALTA HOMEM PÚBLICO

Na verdade, escasseiam homens públicos que podem dizer não ao presidente neste país. O último economista sério, Carlos Kawal, cansou. Pediu demissão. Foi um dos poucos - se me recordo, o único - que, ao ver tudo saindo errado, teve a coragem de fechar a porta e ir embora, num protesto corajoso.

Preferiu sair a enganar a si mesmo e ao povo, que indiretamente confiou nele, ao aceitar o cargo agora impraticável.

*E mail: at@attglobal.net

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