editorial |
O Estado de S. Paulo |
4/1/2007 |
A palavra mesmice talvez se revele, afinal, imprópria para descrever o que poderá ser o segundo mandato do presidente Lula. A previsão de quatro anos de déjà vu é compreensível, no entanto. Toma como referência o contraste entre o sonante palavrório lulista destes dias, a começar do “acelerar, crescer e incluir” prometidos no discurso inaugural, e, de outro lado, a sensação igualmente habitual de que o comandante do governo não sabe para onde conduzi-lo nem, muito menos, perde o sono por causa da paralisia que o domina desde que a administração foi capturada pela reeleição. A realidade é outra, pode-se dizer. O governo, nisso incluído o esquema petista de poder, já começou a rodar a 100 por hora - com a alavanca de câmbio na posição de marcha à ré, bem entendido. O que se vê acelerar é um retrocesso perto do qual a mesmice seria o menor dos males. No plano administrativo, a situação deixa saudade dos primeiros tempos do primeiro mandato, o que não é propriamente pouca coisa. Então, o bater de cabeças dos noviços aflitos por reinventar a roda, enquanto trocavam caneladas na disputa por espaços de mando, era audível em todo o Planalto Central, e os erros se empilhavam uns sobre os outros. Mas, por desastrados que fossem os efeitos das ações da nova elite dirigente, havia uma atmosfera de operosidade, um clima de mangas arregaçadas. Agora, o Ministério se tornou literalmente o proverbial deserto de homens e idéias. Seis dos atuais titulares apenas esperam a hora de serem convocados para sair. Outro, o da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, acompanha o escoar dos dias até a saída que, por ele, já teria se consumado. Outro ainda, Luiz Fernando Furlan, da Pasta crucial do Desenvolvimento, faz saber que voltará a cuidar de suas empresas. Os demais, em regra, se limitam a fazer expressão corporal de ministros, por não saber o que será feito deles quando, finalmente, Lula negociar a sério com os partidos coligados a escalação do time para o segundo tempo - o que só deverá ocorrer em fevereiro, depois da instalação da nova legislatura e do desfecho da pendenga pela presidência da Câmara. (A do Senado ficará com o arquigovernista Renan Calheiros, do PMDB.) A Esplanada parece uma escola em férias, e não é força de expressão. Treze ministros estão para tirar ou já tiraram períodos variáveis de descanso. Fazem o que fará a partir de amanhã, por 10 dias, o chefe para quem há de ter sido muito pouco o lazer pós-eleitoral que se concedeu enquanto estalava o apagão aéreo no País. Lula precisa de fato retemperar as energias consumidas na estafante campanha que, bem-feitas as contas, durou quase quatro anos. Dirão os cínicos que as suas férias têm a vantagem de proporcionar aos brasileiros 10 dias sem discursos presidenciais. Outros se lembrarão do maldoso ditado italiano Primo far niente, dopo riposare, mas não se pode culpá-los por isso. O mesmo Lula do “acelerar, crescer e incluir” já adiou pela quarta vez o anúncio das medidas de destravamento da economia, cujo único indício de vida futura é a sigla PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da lavra dos atarefados redatores planaltinos. O retrocesso leva a melhor sobre a mesmice também em matéria de ética. Duas frases em um discurso de 37 minutos e 3.700 palavras, na posse perante o Congresso, foi tudo que o prolixo presidente achou que devia falar a respeito do tema, depois de um primeiro mandato poluído sucessivamente pelo Waldogate, o mensalão, a quebra do sigilo de um caseiro e o dossiê Vedoin. Não menos eloqüente - e coerente - foi a volta do deputado paulista Ricardo Berzoini à direção do PT, passados três meses da descoberta de que se subordinavam a ele, no comitê central da reeleição, os “aloprados” responsáveis pela tentativa de comprar da mafiosa família patrocinadora dos sanguessugas no Legislativo material que incriminaria o tucano José Serra quando ministro da Saúde. O afastamento de Berzoini da direção da campanha e do partido foi exigido por Lula porque nada deveria se interpor entre ele e mais quatro anos no poder. Agora, alvo alcançado, o que passou passou. Borrón y cuenta nueva, dizem os espanhóis. Ou, na famosa expressão daqueles que o presidente, confundindo fatos e conceitos, diria serem terrostas, “está tudo dominado”. Abandonada a tese da refundação da legenda e da expiação dos delitos praticados em prol de Lula, o petismo lança o seu PAC - Programa de Aceleração do Cinismo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, janeiro 04, 2007
Retrocesso acelerado
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