Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 21, 2007

Ainda sobre o lucro dos bancos Mailson da Nóbrega


Recebi muitos comentários sobre o artigo de domingo, no qual afirmei que a redução da taxa de juros deve aumentar o lucro dos bancos, contrariamente ao senso comum, que atribui aos juros altos a sua boa rentabilidade. Alguns foram mal-educados, mas muitos questionaram sinceramente os argumentos.

Dois comentários me chamaram a atenção. O primeiro pôs em dúvida a tese, utilizando como exemplo os juros de 150% ao ano do cheque especial. Assim, se o custo de captação é de cerca de 14% ao ano, a gorda diferença seria a causa básica dos lucros. O segundo questionou a idéia da concorrência. Quem faria o controle? Não seria o Banco Central, pois seus diretores são candidatos a emprego nos bancos.

O primeiro argumento desconhece que o cheque especial é uma operação de crédito emergencial, sem garantia, que configura uma situação típica de assimetria de informação. O devedor sabe mais sobre si mesmo do que o credor. Além disso, o banco deve manter o recurso disponível para saque, o que encarece a operação.

O decorrente risco poderia ser mitigado com aval ou garantia real, mas isso geraria a chateação de buscar o avalista ou elevaria muito os custos de transação, o que poderia tornar a operação proibitiva. Uma massa de consumidores não teria acesso ao crédito para adquirir bens ou resolver emergências. Cairia o nível de bem-estar.

A alternativa é o credit score, um mecanismo de precificação baseado em informações como renda, atividade profissional, idade, estado civil e outras. Determina o risco do cliente e a taxa de juros do empréstimo.

No crédito pessoal, as perdas alcançam 30% do spread (tende a ser mais no cheque especial) e são arcadas pelos clientes pontuais. Os justos não deveriam pagar pelos pecadores, mas é assim que se assegura o acesso de todos ao crédito.

O governo é o grande sócio na operação. Cerca de 25% do spread decorrem da tributação. Noutros países, se tributa o lucro dos bancos. Sem essa cunha, os juros do cheque especial caem para algo como 120%, equivalentes a 4 vezes a taxa nas operações com grandes empresas, como ocorre nas nações ricas. O credit score é adotado também nos cartões de crédito, permitindo que o consumidor saia da loja com as compras e, se desejar, pague o valor em parcelas. Não precisa de cadastro, garantia ou qualquer outra formalidade. O acesso ao crédito é automático. O nível de bem-estar aumenta.

Independentemente da taxa de juros, os bancos tendem a ter a mesma rentabilidade, seja o devedor uma empresa, o governo ou um indivíduo. A diferença entre as taxas de cada operação reflete os diferentes custos e riscos. Quanto ao controle, já houve tempo em que o governo tabelava os juros. O Banco Central fiscalizava o cumprimento da tabela. Nessa época, o sistema financeiro privado engatinhava. A maior parte da oferta de crédito provinha dos bancos oficiais, geralmente com juros subsidiados. A burocracia decidia quem ganhava o benefício. Salvo os agricultores, as pessoas físicas quase não tinham acesso ao crédito oficial.

Essa época já passou. O crédito estatal gerava enormes prejuízos e transferia renda para relativamente poucos. Os bancos estaduais eram o grande ralo por onde vazava o dinheiro dos contribuintes. Agora, temos um sistema financeiro robusto e sofisticado, cujo controle é basicamente exercido pelo mercado, como acontece nos países que deram certo.

O Banco Central se tornou uma moderna agência reguladora, com capacidade de exercer a boa supervisão bancária e zelar pela estabilidade da moeda e do sistema de pagamentos. O crédito à pessoa física se generalizou, inclusive nos bancos oficiais. O microcrédito assegura o acesso ao crédito ao mais modesto dos brasileiros.

Mesmo que a afirmação de que os diretores do Banco Central agradam os bancos pensando em um emprego futuro não passasse de uma insinuação maldosa, ela não faria o menor sentido, pois o BC exerce agora funções nobres no sistema econômico.

Essas questões são muito mais complexas do que este limitado espaço permite comentar. Minhas observações não eliminam a necessidade de acirrar a concorrência com vistas a gerar menores custos para os usuários do sistema bancário. Os bancos não estão imunes a críticas, mas, como assinalei no último domingo, é preciso que ela seja feita com o maior conhecimento de causa possível.

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