O GLOBO
As administrações do casal Garotinho e do prefeito César Maia não inventaram a bandalha, mas deram condições de impunidade para que ela se transformasse numa cultura que hoje está presente no desrespeito às leis do trânsito, nas calçadas invadidas pelos carros, nas praias poluídas, nas ruas tomadas pelos camelôs e pelos mendigos, nos buracos e sujeira por toda parte, no caos urbano em geral. Esta semana, o reino do ilícito e do ilegal culminou com a inédita manifestação dos donos de 20 mil vans. O centro do Rio já tinha assistido a memoráveis desfiles triunfais, cívicos e políticos, de celebração e de protesto: a volta dos pracinhas vitoriosos na II Grande Guerra, a chegada de seleções campeãs do mundo, a Passeata dos 100 mil, as marchas pela paz. Nunca, porém, a cidade havia parado em função de uma gigantesca carreata em defesa da bandalha. Um feito histórico.
Poucas horas foram suficientes para que a baderna e a chantagem dessem resultado. Passivo e leniente, o governo do estado não usou reboque, multa ou outro tipo de punição que o Código de Trânsito permitia para reprimir sem truculência o desafio. Capitulou por inteiro, cedendo às exigências. Voltou atrás da tentativa de pôr ordem no setor, suspendeu a fiscalização, adiou a licitação de licenças determinada pela justiça e demitiu o presidente do Departamento de Transportes Rodoviários, Rogério Onofre, que resistia à pressão dos manifestantes. "Minha saída foi uma vitória dos topiqueiros, dos piratas, da bandalha", denunciou.
No Rio, alguma coisa para se consagrar, de bom ou de ruim, precisa de uma imagem emblemática. Não é por acaso que aqui até os acidentes geográficos como o Pão de Açúcar, a baía e o Corcovado viraram símbolos. A bandalha acaba de ter, portanto, o seu marco, o sinal explícito de sua força e poder. Segundo a OAB-RJ, a impunidade da manifestação abre um precedente para outros protestos do mesmo porte. Por que não?
"Se o governo estadual permitiu que as vans fizessem aquilo, temos o mesmo direito", disse o presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário, Antônio Tristão, ameaçando uma paralisação de ônibus para a segunda-feira. Na quarta, será a vez das vans municipais, cujo sindicato já anunciou uma concentração de pelo menos 1.500 carros em frente à Prefeitura e em seguida uma passeata até a Câmara dos Vereadores.
Como o transporte público no Rio — vans, kombis, ônibus — é uma caixa preta que em ano eleitoral não interessa a ninguém abrir, a não ser à população, a bandalha deve continuar reinando.