Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 14, 2006

São Paulo e o Brasil REINALDO AZEVEDO

O GLOBO


Nunca tantos estiveram tão empenhados em fazer a velhinha atravessar a rua para alcançar o que entendem ser a calçada da "ética", embora ela insista, a bengaladas, já ter encontrado o caminho e peça que soltem de seu braço. Vai, Reinaldo, conta o que quer dizer esse clichê-metáfora. Conto. Uma parte da crônica política decidiu ser tutora dos eleitores. Estes insistem em desprezar o papelucho em que José Serra prometia ficar na prefeitura de São Paulo e dizem querê-lo na Presidência da República, mas os "analistas" isentos anti-Serra (!) não abrem mão de tratá-los como incapazes: "Vocês se esqueceram da assinatura."

Nem é exatamente a falta de espaço que me impede de dar um pé no traseiro desse conceito de ética, mas uma certa preguiça, tal a parvoíce da interlocução, aliada à desconfiança de que seria inútil. Nessas horas, penso sempre nas agruras de meu amigo Roberto Romano, professor de ética e pensador de primeiro time. Deve ser difícil manter a fleuma quando o debate se pauta pelo analfabetismo filosófico ilustrado.

Nem as Santas Escrituras são impermeáveis ao tempo e às circunstâncias que não são da escolha dos profetas. Uma boa verdade revelada permanece sem enrijecer a história: aí está a diferença entre ter princípio e ser um reacionário idiota. Ah, mas se pretende que o gesto teatral de um jornalista, em dobradinha, não importa se involuntária, com o PT — que levou o tucano à assinatura daquele papel — valha como a Palavra de fogo lavrada na pedra.

Se Serra o assinou na presuntiva defesa dos interesses do "povo" (sempre escrevo essa palavra com alguma vergonha porque só sou procurador das minhas idiossincrasias), o mesmo "povo" revoga a sua validade. Alguém me explique, com base em critérios racionais, por que o tal papelucho se tornou um ícone da ética. Seria menos ética a vontade da maioria dos eleitores, que cassou a sua validade simbólica? Tenham paciência! Os espertos do PT e os inocentes inúteis do PSDB se juntam para defender a sacralidade daquele papel. Uns tentam a sorte; outros brincam com ela.

Nunca escrevo textos oblíquos! Já disse algumas vezes que, pós-tsunami, considero Serra a melhor opção para o país. A ligeira diferença entre os meus artigos e os de uma boa parte dos meus coleguinhas é que não tenho a ousadia de defender uma opção chamando de "análise isenta" o que, obviamente, se trata de leitura comprometida. Comprometida com o quê?

Sou de uma clareza aborrecida: 1) comprometida com a necessidade de apear Lula do poder; 2) comprometida com a escolha, então, de quem reúne as melhores condições de derrotá-lo; 3) comprometida com a escolha de quem possa responder à demanda por crescimento sem aventura. Observo: o PSDB não estará cometendo qualquer sandice se optar por Geraldo Alckmin. Mas tem de fazê-lo com a convicção de que escolheu o melhor para o país, não apenas para São Paulo.

Em outras eleições, o tal "povo" soube proteger o seu destino de Lula e do PT. Dependesse dos "analistas isentos", o Apedeuta teria sido eleito em 1989, 1994 ou 1998. E sempre em circunstâncias bem mais dramáticas: imaginem esse bando de trapalhões administrando cinco crises internacionais quando não sabem governar a bonança. E, claro, falavam muito em "ética".

Ainda hoje, há analistas que juram que o petista era bom, mas se perdeu. Lixo teórico e miséria intelectual. Em 2002, aquele terço do eleitorado que sempre resistiu a Lula se expôs ao experimento, para gáudio dos "isentos éticos". Eis aí. Fomos salvos, ó ironia!, por Roberto Jefferson, que operou a desconstrução mítica. A crise mais grave que acomete o país é de inteligência.

E uma última nota. Recebo e-mails de leitores algo inconformados. Vêem-me como um democrata à direita do PSDB, o que é verdade. Por isso, eu deveria apoiar Alckmin. Se for ele o anti-Lula, e isso não depende da minha escolha, apoiarei. Por ora, o meu conservadorismo sem medo de ser feliz (e contra juros reais de 13% ao ano) está a serviço de escolhas que posso fazer. Não permito que a campanha do PT de 2004 escolha por mim.

Arquivo do blog