Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 14, 2006

VEJA Sonegação Famosos e empresários na mira da Receita


Festa no exterior

Receita rastreia mais de 1 700 pessoas
que movimentaram contas suspeitas
nos Estados Unidos


Ronaldo Soares
O doleiro Toninho da Barcelona não estava exagerando quando disse à CPI dos Correios que o MTB Bank, um dos bancos americanos que funcionavam como lavanderia de dinheiro de brasileiros, foi usado "por toda a sociedade" para remeter dinheiro ao exterior entre 1985 e 2003. Sua declaração faz sentido quando se analisa a imensa base de dados gerada pela CPI do Banestado a partir de informações bancárias enviadas pelas autoridades americanas ao Brasil. No rastreamento feito até agora para identificar brasileiros que movimentaram dinheiro no exterior por meio de doleiros, em operações de débito ou crédito não comunicadas ao Banco Central, constam os nomes de pessoas (físicas e jurídicas) das mais diferentes áreas de atuação, de bicheiro a delegado de polícia, de artista plástico a industrial, de estilista a fabricante de pneus, de jogador de futebol a jornalista. A mais recente análise dos documentos – referentes às operações de 2000 em contas mantidas por doleiros em quatro instituições financeiras investigadas nos Estados Unidos – gerou cerca de 1 700 representações fiscais emitidas nos últimos meses pela Receita Federal.

Um dos contribuintes no alvo do Fisco é a Petrobras, que nos dados bancários enviados aos investigadores brasileiros aparece movimentando 325.807 dólares na conta da offshore Azteca Financial Corporation no MTB Bank de Nova York em 2000. Nos extratos constam duas operações na Azteca naquele ano, uma de crédito para a offshore (172.771 dólares) e a outra de débito (153.036), em que a Petrobras é a beneficiária. É um tanto estranho, convenhamos, que uma estatal tenha relações com uma offshore com sede nas Ilhas Virgens Britânicas e controlada por doleiros de São Paulo. Outro caso detectado pela Receita no mesmo ano, mas com valor de operação bem mais elevado, foi o das Casas Bahia, empresa fundada por Samuel Klein e dirigida por seu filho, Michael. O nome da maior rede varejista do Brasil aparece em uma transferência de 1,06 milhão de dólares no MTB Bank, feita pela Agata International – a mesma offshore relacionada a depósitos em favor do publicitário Duda Mendonça no exterior – para uma conta no banco italiano Ambrosiano Veneto.


Sebastião Moreira/AE
A família Klein, das Casas Bahia: movimentação de 1 milhão de dólares via offshore

A Receita trabalhou os dados referentes a 2000 nas contas investigadas, porque no ano passado terminaria o prazo, previsto em lei, de cinco anos para o lançamento da cobrança do que o órgão supõe que lhe seja devido. A representação fiscal não significa que o contribuinte tenha cometido crime, mas é um indício de sonegação fiscal. Nesse caso, uma vez quitado o débito que vier a ser apurado (normalmente com o pagamento de multa mais os juros sobre o imposto que deixou de ser recolhido) ou caso o Fisco seja convencido de que não houve irregularidade, extingue-se a pendência no âmbito fiscal. No entanto, o contribuinte fica sujeito a sanções penais – caso a apuração continue tramitando na Polícia Federal e no Ministério Público Federal – e pode vir a responder por crimes como evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Os extratos do MTB apontaram ainda uma operação em que a atriz Cláudia Raia foi identificada pela Receita como beneficiária de um depósito de 200.000 dólares feito em 2000 pela offshore Depolo Corporation, controlada por doleiros com atuação no Rio e em São Paulo. Também surgiu em operações suspeitas o nome do jogador Roger, do Corinthians, que em 2001 e 2002 movimentou 150.000 dólares em uma das contas da Beacon Hill, empresa fechada em 2003 pelas autoridades americanas sob acusação de lavagem de dinheiro. Até agora, os dados bancários enviados pelos Estados Unidos permitiram identificar, só nas investigações sobre a Beacon Hill, mais de 9.500 contribuintes com dinheiro suspeito no exterior. Em geral, as operações eram feitas pelo sistema dólar cabo, em que o doleiro movimenta lá fora a quantia determinada pelo cliente e recebe o valor equivalente no Brasil, cobrando uma comissão pelo serviço. A abertura da caixa-preta da lavanderia brasileira só foi possível graças à cooperação iniciada a partir do caso Banestado entre as autoridades brasileiras – principalmente Polícia Federal e Ministério Público Federal – e as americanas, representadas pela Promotoria de Nova York e pelo Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos (DHS). Hoje, os americanos se encontram tão familiarizados com o universo dos colegas brasileiros que, nos contatos com eles, deixam de lado a forma clássica de definição dos investigados – illegal money transmitters – e preferem usar a terminologia que aprenderam com seus pares (com sotaque, é claro): "doleros".

Sebastião Moreira/AE
O corintiano Roger: movimentação de 150 000 dólares em conta em Nova York, sem declaração


A Receita não dá informações sobre o andamento das representações fiscais nem se elas já foram repassadas aos contribuintes identificados. Existe um acordo firmado entre os órgãos envolvidos nas investigações para que a Receita dê prioridade aos casos em que estejam envolvidos agentes públicos e às movimentações financeiras de maior vulto. Isso pode explicar o fato de os citados nesta reportagem alegarem não ter tomado conhecimento das representações fiscais. A Petrobras informou que a empresa não opera com doleiros e que suas operações cambiais são "sistematicamente registradas" no Banco Central. Em nota enviada por sua assessoria, Cláudia Raia informou que paga impostos e taxas em dia. "Isso está em minhas declarações fiscais", afirmou. O empresário do jogador Roger, Mauro Azevedo, disse que tanto ele quanto o atleta desconhecem as operações citadas pela Receita e que o fato "causou estranheza" a eles. A assessoria das Casas Bahia informou que a empresa não se pronunciaria porque ainda não recebeu a notificação da Receita.

O monumental volume de recursos no exterior (veja quadro abaixo) detectado pela base de dados da CPI do Banestado reativou uma antiga discussão e motivou um projeto de lei, em tramitação na Câmara, que concede anistia fiscal aos contribuintes que possuem recursos não declarados no exterior. O problema seria a contrapartida: se aprovada, a medida beneficiaria quem está sob investigação por suspeita de crimes como lavagem de dinheiro, caso de Duda Mendonça, já que a idéia é extinguir a punição dos delitos referentes aos valores não declarados – exceto em casos de réus condenados e titulares de recursos provenientes de crimes como narcotráfico e terrorismo.




Getty Image/Photodisc Green

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