Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 21, 2006

PSDB: Chega! Decidi chutar o balde. Como Swift Por Reinaldo Azevedo

PRIMEIRA LEITURA

Eu sei que a ironia é mal compreendida no país, mas não posso me conter. Já escrevi aqui que, se ressuscitasse no Brasil e escrevesse um texto sugerindo que as crianças pobres fossem comidas como solução para o problema social, é bem possível que algum meganha mandasse prender Jonathan Swift. Corro o risco mesmo assim. Hoje, leitor amigo, vou, como se diz, "chutar o balde". De vez em quando, sou assim: chuto o balde. A gíria é meio antiga, cafona até. Mas eu também sou um homem inatual, conforme deixarei claro em outro texto. Todos sabem que meu candidato à Presidência da República era José Serra. Era. Posso rever minha posição, de braços dados com Machado de Assis, mas às avessas. "Ao perdedor, as batatas". Se sou Serra, neste 20 de janeiro de 2006, mesmo tendo o dobro das intenções de voto do segundo colocado, surpreendo todo o partido, chuto o pau da barraca e declaro: "Não sou mais candidato. Ok, vocês perderam. Vocês venceram". Pronto. E, claro, prefeito, peço-lhe o favor de, nessa hipótese, ser "um soldado" em favor do escolhido.

Há um mês, os tucanos estavam com a eleição garantida, e bastava que se criasse o devido ambiente de união, o tal clima virtuoso, essas coisas de que o PT entende muito bem (seu mal é o clepto-stalinismo, não a burrice), e tudo estaria encaminhado. Pois bem: permitiu-se que se instaurasse um debate absolutamente predador dentro do partido, chegando à mídia. Dou um conselho a Serra: tudo o mais constante, considere a hipótese de desistir. Com Lula em franca recuperação, por que correr o risco de perder a Prefeitura de São Paulo se os soldados se mostram algo reticentes? Afinal, há os que acham que têm o mapa da mina. Que se lancem na labuta. Será uma saga e tanto.

Em suma, se sou Serra, só aceito, agora, ser candidato se for por aclamação unânime, inequívoca e entusiasmada. Quem não me quer não me merece, entendem? Ou, então, "ao perdedor, as batatas". Se o tucanato, a começar da bancada na Câmara, acha que a diferença entre 17 pontos e 31 pontos é mera questão de tempo, como se Lula também não fosse candidato e não dispusesse dos próprios meios de fazer campanha, ok. Às vezes, prefeito, é preciso ser didático. Ainda que o país pague o pato.

Bastou um mês com menos notícias negativas para Lula, com um Congresso se deixando enxovalhar por uma convocação extraordinária vexaminosa (ainda que com desdobramento virtuoso, mas a mídia foi implacável), e o Apedeuta entrou numa fase de recuperação. Duvido que não se tenha feito levantamento de segundo turno na pesquisa Ibope/Editora 3 (tenho o direito de desconfiar, tão absurda é a hipótese contrária), e estou certo de que, também nele, diminui a diferença entre Lula e Serra, ainda que o tucano deva estar na frente.

Os idiotas das próprias idiossincrasias vão sacar da algibeira a profecia auto-realizável: "Viram? Serra tinha teto". Ok, pois que fiquem então com o "potencial de crescimento" de Alckmin, que, por ora, tem piso. Aliás, se quiserem, me ofereço para a empreitada. Nem o porteiro do meu prédio votará em mim. Meu potencial de crescimento é quase tão grande quanto o dos candidatos tucanos ao governo do Estado e ao Senado: 100% — se é que vocês me entendem. Estou me referindo àqueles dois carguinhos para os quais ninguém dá bola.

Dado o atual clima, com o partido dividido — e está, não adianta negar — e com Lula em ascensão, Serra não pode nem sonhar em ser candidato. Fatias do tucanato sacaram contra o patrimônio do partido, instaurando, com a liderança de Serra, em vez do clima virtuoso e do bom triunfalismo, justamente o contrário. Espero que um Gabriel Chalita, por exemplo, que resolveu evocar suas quase duas décadas de militância tucana para argumentar contra a candidatura do líder, tenha uma boa idéia para enfrentar Lula. Eu o vi sacar argumentos contra a candidatura Serra com mais rapidez do que contra a do petista, o que qualifica, quero crer, se não a sua militância dos outros 17 anos, ao menos a do 18º ano.

Lula, reitero, só deixou de apanhar no último mês. Ainda não começou a bater nem a exaltar as próprias virtudes. Tampouco colheu os efeitos fatalmente positivos de uma série de boas notícias (para ele) que vêm por aí. A começar do reajuste do salário mínimo, que mal para os seus beneficiários não fará. O grande ativo que os tucanos tinham (e, eventualmente, ainda têm) eram a virada ética e a mudança de rumos da política econômica. Bastou um mês de indecisão, bateção de cabeça, individualismos exacerbados e pequenas sabotagens para que essa vantagem começasse a ser corroída.

Em 1994, o PSDB tinha o Plano Real. Ganhou as eleições. Em 1998, o PSDB tinha o medo (da população) de perder o Plano Real. Ganhou. Em 2002, o PSDB tinha a proibição de debater alternativas aos impasses do Plano Real. Perdeu (e, diga-se, aquela disputa não seria vencida por nenhum ser humano; Lula estava além do homem, para exercitar um pouco o meu lado nietzschiano). Em 2006, o PSDB ainda tem a esperança dos eleitores de que o partido tem a alternativa, e eles já haviam feito a sua escolha. Mas uma parte do tucanato acha que o povo está errado. Alguns doutores acreditam ter idéias melhores. Então tá bom. Certa feita, a social-democracia alemã também considerou que o povaréu não sabia das coisas. Deu no que deu.

O jornalista Gilberto Dimenstein, diga-se, iniciou uma verdadeira campanha na CBN contra a saída de Serra da prefeitura. Pede que ouvintes mandem e-mails para ele se posicionando a respeito. É claro que, ao fazê-lo, acaba insuflando forças organizadas a se posicionar. No convite à participação, usou a palavra "traição". Ou seja: ele convida que as pessoas digam se acham a "traição" aceitável. Tenha paciência! É a chamada vox populi com cabresto. Cria-se, assim, uma falsa vaga de opinião pública. E desafio Dimenstein a provar que não é assim. É mais do que mera audição: é militância. Tem todo o direito de fazê-lo, assim como tenho minha opinião. Mas ele precisa, então, dizer qual é a sua escolha, assim como digo qual é a minha. A minha é (ou era) Serra. A dele é Alckmin ou Lula? Dados os números do Ibope, o PT não tem por que lamentar o seu trabalho.

Lula
"Se eu tapo buraco de estrada, dizem que faço campanha eleitoral para mim; se não tapo, eu faço campanha eleitoral para eles. Então, eu tapo buraco para nós aqui." É Lula falando no Rio. É só o começo. Como vocês lerão aqui, a máquina foi mobilizada para garantir massa e aplauso. E as bandeiras vermelhas do PT estão de volta. Posso não gostar, e não gosto, de nada disso. Mas uma coisa é fato: à diferença dos tucanos, o partido de Lula não pisa nos astros distraído. Não fosse seu clepto-stalinismo, estaríamos condenados a viver em regime de partido único. A nossa sorte é que os larápios do PT, sem querer, nos protegeram.

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