Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Outra vez, o álcool CELSO MING

ESTADÃO


 

Outra vez, o consumidor de álcool está levando uma rasteira.

Em 1989, houve o passa-moleque aprontado pelos usineiros que desviaram matéria-prima (caldo de cana) para produção de açúcar, pouco se lixando com o colapso do abastecimento, que aconteceu em seguida.

Desta vez, não há nada de extraordinário no comportamento dos preços internacionais e nem se tem conhecimento de que houve desvio de matéria-prima para fabricação de açúcar. Também não há escassez.

Para o consumo desta entressafra no Centro-Sul, que vai de dezembro a meados de abril, há disponíveis pouco mais de 4 bilhões de litros, conforme nos dá conta Antônio de Pádua Rodrigues, diretor-financeiro da União da Agroindústria Canavieira (Única), entidade que congrega os usineiros. Como o consumo no Centro-Sul é de 1,1 bilhão de litros por mês, há o que chegue até que se reinicie a safra, embora sem a folga de anos passados. (O problema não existe no Nordeste, hoje em plena safra.)

As previsões eram de uma produção de 15 bilhões de litros no Centro-Sul. Alguma quebra de safra de cana-de-açúcar no Paraná e em Mato Grosso do Sul reduziu a produção efetiva para 14,4 bilhões de litros. O consumo em 2005, também no Centro-Sul, foi de 13,4 bilhões de litros. Outro 1,8 bilhão de litros foi destinado às exportações.

A procura de álcool está crescendo no mundo inteiro. Cálculos da consultoria inglesa F. O. Licht dão conta de que em 2005 houve a queima de 38 bilhões de litros que, em 2010, deverão saltar para 61 bilhões, um crescimento de 60% em cinco anos. A frota flex-fuel no Brasil, a nova alavanca do consumo interno, já ultrapassa 1 milhão de veículos e deve alcançar 5 milhões dentro de cinco anos.

Como os preços estão livres, em princípio não há nada de errado em que o usineiro remarque seus preços como bem entender. No entanto, é preciso se prevenir contra distorções de mercado, sejam elas provocadas por cartelização sejam por desajustes ocasionais entre oferta e demanda.

As duas medidas que o Departamento de Cana e Agroenergia do Ministério da Agricultura diz que estão em estudo são, a esta altura, insatisfatórias. Reduzir a participação de álcool anidro na mistura carburante (com a gasolina) de 25% para 20% seria o mesmo que colocar mais azeite do que sardinha dentro da lata de conserva. Seria um disparate substituir álcool que, no mercado atacadista, vale R$ 1,10 por litro, por gasolina que sai por R$ 2,40. E provocaria economia irrelevante, de não mais do que 200 milhões de litros em fevereiro e março, quando termina a entressafra.

Diminuir a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), a taxa que faz parte do preço e tem função regulatória, implicaria levar a sociedade a pagar mais pela nova alegria dos usineiros. Além disso, não resolveria os problemas de fundo e de longo prazo.

O que falta mesmo são estoques reguladores que deveriam ser formados no tempo da oferta firme e não agora. Os usineiros fazem algum estoque, desde que se restrinja ao volume destinado ao consumo na entressafra. Mais do que isso estão proibidos de fazer pelo Cade (organismo de defesa da economia de mercado), sob o argumento de que produziriam perigosa concentração de oferta.

Nessas condições, a tarefa caberia ao governo. Mas seria preciso encarar pelo menos dois problemas. O primeiro é o dinheirão parado que sangra juros de pelo menos 18% ao ano (juros básicos), se os estoques forem financiados pelo setor público. Se couberem ao setor privado, os juros serão de pelo menos 22% ao ano. O segundo é o de que estoques criam em boa parte do ano uma "demanda artificial" que tende a perenizar preços altos.

No mais, esta disparada de preços e novas dúvidas sobre a capacidade de garantir o abastecimento produz estragos em três frentes. Perde o consumidor, que voltou a confiar, porque tem de desembolsar mais por um combustível sobre cuja produção não houve aumento de custos. Perde o usineiro que, outra vez, vê sua imagem lambuzada por sua incapacidade de garantir regularidade de oferta e de preços. E perde o País que se esforça para ganhar o mercado internacional do álcool, mas não consegue garantir o abastecimento interno.

ming@estado.com.br



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