Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 15, 2006

Miriam Leitão Chile moderno

O GLOBO

O Chile pode terminar o dia de hoje elegendo a primeira mulher presidente de um país da América do Sul. Na América Central, houve dois casos, mas aqui, não. Na Argentina, Maria Estela Martinez foi eleita para vice do marido, Juan Perón. O Chile é diferente no debate e no consenso. Lá ninguém discute certas questões que ainda partem outras sociedades.

O Chile está na frente em vários pontos do debate regional, e ficou atrás em outros. O último país a permitir o divórcio — a lei foi aprovada há menos de dois anos — está prestes a eleger uma mulher que se separou e criou os filhos sozinha. Um país em que as mulheres e os homens votam em seções separadas — uma desconcertante velharia — mas onde está se realizando um sonho das feministas: mulher vota em mulher. O Chile não se divide por questões como abertura econômica, estabilização, privatização. Tudo isso é consenso. Mesmo assim, divide-se em esquerda e direita, como se valessem as velhas categorias políticas.

O Chile é diferente e isso se viu, de novo, na eleição que termina neste domingo. Dos dois lados estão políticos modernos e dissociados do papel tradicional dos políticos, porém eles só chegaram aonde chegaram por estarem atrelados aos partidos. A favorita, Michelle Bachelet, nunca teve um cargo eletivo, mas, se fosse independente, inventasse um partido, não estaria onde está. Ela é candidata da Concertación, uma coalizão socialista que representa o atual presidente Ricardo Lagos; seu programa de governo foi feito pelo economista Alejandro Foxley, que foi ministro da Fazenda do ex-presidente Patricio Aylwin, também da Concertación.

O dia hoje é de expectativa, mas a atmosfera no Chile, segundo os observadores políticos, é de vitória de Michelle Bachelet, apesar do excelente desempenho de Sebastián Piñera. É possível que diminua a vantagem, de 6% para ela, mas as maiores chances são de Bachelet.

O fato de mulheres e homens votarem separados facilita a aferição estatística dos votos por gênero. Lá a maioria das mulheres está com ela; a maioria dos homens, com ele. Durante a campanha, o machismo esteve presente, mesmo que implicitamente. Um diplomata brasileiro conta, como exemplo, os comentários que ouviu durante um incidente. No fim do primeiro turno, a equipe de Bachelet preparou um grande comício de encerramento. Mas, no dia do evento, houve um acidente com um ônibus em que viajavam pessoas que trabalham na campanha e morreram duas delas. A candidata suspendeu o comício. A interpretação que se espalhou — e que foi usada por muitos dos apoiadores de outros candidatos — é que era uma "decisão de mulher", emocional e tomada por impulso e que, se fosse um homem, tomaria uma decisão mais "racional".

No campo econômico, as opções estão mais resolvidas. A Previdência foi privatizada, mas não se discute se ela deve ou não ser reestatizada. O debate é se e em quanto devem ser reduzidas as taxas pagas pelos contribuintes. A Previdência hoje não tem subsídio nem déficit, mas pode vir a ter dificuldades no futuro, com o pessoal que saiu do sistema, retirando o dinheiro capitalizado durante a última recessão. Lá é consenso que a economia fique aberta, estabilizada e com um Estado menor e eficiente. O debate político ficou em torno de estilos de liderança. Piñera se apresentando como um empresário eficiente e que sabe mandar, Michelle Bachelet como uma continuidade do trabalho feito até agora de manutenção da estabilidade com redução da pobreza.

Totalmente diverso é o debate em outros países como a Bolívia, que elegeu Evo Morales. Lá uma velha retórica nacionalista e imprecisa ainda faz sucesso. Não se sabe ainda o que quer dizer a "nacionalização" do gás. Já houve um aumento importante nos impostos e nos royalties cobrados das empresas privadas que investem no setor, em lei aprovada no ano passado. O que está para ser decidido é quais serão as formas de contratos que serão permitidas na exploração do gás.

Se o governo Morales impuser condições muito duras, ninguém investe e, sem o capital estrangeiro, a Bolívia não consegue explorar seu gás. Porém Evo Morales terá de atender às pressões políticas que o elegeram. O Brasil será o segundo maior perdedor se Morales quiser ir para o confronto com o capital estrangeiro, o primeiro maior perdedor será ele mesmo. O Brasil fica sem uma das suas fontes de energia, mas a Bolívia perde o maior investidor e o maior cliente.

Hoje compramos 30 milhões de metros cúbicos/dia; o segundo cliente é a Argentina, com cinco milhões. No ano passado, a Petrobras comprou US$ 900 milhões de gás boliviano e o Brasil garantiu o superávit na balança comercial da Bolívia com o mundo. Há dificuldade de se entender a semântica de certos lemas políticos da campanha, mas aqui as autoridades acreditam que, quando se fala em nacionalização do gás, não se está falando em expropriação dos direitos dos investidores. No caso do refino, em que a Petrobras tem as duas maiores usinas, o governo boliviano quer apenas ser sócio. E isso foi negociado.

Estes são tempos de mudança na América Latina. A temporada de eleições apenas começou. Faltam ainda nove, contando com a de hoje: Costa Rica, Peru, Colômbia, México, Brasil, Equador, Nicarágua e Venezuela. No domingo, é o prazo para que os partidos mexicanos apresentem seus candidatos e até o subcomandante Marcos quer ser candidato. Ano de emoções abertas na América Latina.


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