Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 01, 2006

Merval Pereira Ficando para trás

o globo

Se a renda per capita brasileira tivesse crescido até hoje à mesma taxa do período de 1900 a 1980, estaríamos com 35% da renda dos americanos — próximos do Chile, e melhor que o México. E se tivéssemos crescido mais aceleradamente, ao ritmo registrado entre 1950 e 1980, estaríamos hoje com 48% da renda americana, semelhante à de Portugal. Ao contrário, se de 1900 a 2004 a renda per capita tivesse crescido no ritmo dos últimos 25 anos, nossa renda seria equivalente a 18% da renda atual, o que corresponderia às rendas do Quênia e da Nigéria. Estaríamos entre os 15 países mais pobres do mundo. Estas são algumas das descobertas de um estudo do industrial Paulo Cunha, do Grupo Ultra, que analisou a história da nossa performance econômica desde 1900 e chegou à conclusão de que é o peso do Estado que impede o nosso crescimento.

Confirmando a tendência do último quarto de século, o Brasil entra em 2006 com o segundo menor crescimento do PIB da América Latina e Caribe, superando apenas o sofrido Haiti, onde ironicamente uma força de paz da ONU comandada pelo Brasil tenta pôr um pouco de ordem no país mais pobre do continente. Estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) mostra que fechamos o ano com crescimento de 2,5% do PIB, enquanto o Haiti teve um crescimento de 1,5%.

A média anual de crescimento da América Latina e do Caribe foi de 4,3%, puxada para baixo pelo desempenho da economia brasileira, que ficou atrás dos dois países que mais cresceram na região, a Venezuela de Chávez, com 9%, ajudado pelos preços do petróleo, e a Argentina de Kirchner, com 8,6%.

Para a Cepal, a economia brasileira continuará puxando para baixo a média da região em 2006, que ficará pouco acima de 4%. A previsão da Cepal é de um crescimento brasileiro não maior que 3%, mais pessimista até mesmo que a previsão oficial do IPEA, que é de 3,6%, e bem abaixo da "garantia" do presidente Lula de um crescimento próximo de 5%.

O Brasil deve crescer numa média anual por volta de 3% nos quatro anos do mandato de Lula. Segundo Reinaldo Gonçalves, professor de economia internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o índice de desenvolvimento econômico do país em relação à economia mundial, de 2003 a 2006, ficará negativo em 1,4 ponto percentual ao ano. Será o terceiro pior resultado desde 1901, numa lista que considera 25 presidentes da República. Melhor apenas só que João Goulart e Collor.

É verdade que mesmo com o crescimento asiático de 8,6%, a Argentina só agora retornou à renda per capita que tinha em 1998. E que a economia brasileira continua sendo a maior da região. Mas, como num mundo globalizado a competição entre as economias é permanente, os números mostram que o país vem perdendo competitividade desde 1980.

O industrial Paulo Cunha, do grupo Ultra, considera que a grande estagnação que perdura até hoje tem explicações mais profundas do que o processo inflacionário, ou os choques externos, os juros altos, a dívida externa ou o déficit público, razões alegadas de tempos em tempos como causas de nossa perda de dinamismo econômico.

Ao analisar o crescimento de nossa renda per capita, Cunha mostra que, até 1980, o Brasil cresceu mais que a média mundial: de 1900 a 1980, a renda per capita brasileira cresceu em média 3,04%, enquanto a renda mundial cresceu 1,92%. O período de maior crescimento foi o de 1950 a 1980, quando o país cresceu em média 4,39% sua renda per capita, para um crescimento médio mundial de 2,83%. Nesse período, o Brasil figurou entre os dez países mais dinâmicos do mundo.

A partir daí, assistimos a uma redução de 90% do ritmo de crescimento per capita — de 4,39% para 0,43% de 1980 a 2004 — que Paulo Cunha não aceita ser apenas "um período de desaceleração econômica". Ele acredita que o país está replicando nos últimos 25 anos a performance econômica do século XIX — crescimento de 0,06% anuais de 1820 a 1900 — quando tinha um governo "monárquico fortemente oposto e hostil a atividades produtivas e empresariais privadas".

Acompanhando as análises históricas das economias internacionais, Paulo Cunha afirma que "são fatores externos, basicamente instituições e políticas econômicas, que afetam a forma como os países aproveitam ou não os estímulos externos, ou se previnem ou não dos obstáculos externos."

Nas mesmas condições, a maioria dos países da OCDE apresentou acentuada desacelerações nos últimos anos, e os cinco países que respondem por 25% do aumento das exportações mundiais — China, Coréia do Sul,Taiwan, Irlanda e México — apresentam uma performance que Cunha classifica de estelar, com exceção do México, crescendo a renda per capita entre 6,5 e 8,7 vezes o crescimento mundial.

Paulo Cunha ressalta que todos esses países, e mais Alemanha e Japão durante a fase de crescimento entre 1950 e 1960, tinham em comum câmbio desvalorizado e juros baixos. Fazendo uma comparação entre a situação atual da renda per capita dos Estados Unidos e a brasileira, hoje temos 20% da renda americana.

Segundo Paulo Cunha, a explicação para o sucesso ou o fracasso dos países é o peso do custo do Estado: "Mais relevante que o processo de ajuste fiscal, é o resultado a que ele leva". Para exemplificar, cita dois exemplos: Irlanda e Suécia fizeram fortes ajustes fiscais, mas o primeiro terminou com um gasto público pequeno, o que levou ao crescimento econômico, enquanto a Suécia tem um gasto público elevado, incompatível com crescimento econômico rápido.

Os gastos públicos no Brasil vêm crescendo a um ritmo de 8% ao ano nos últimos dez anos. Segundo Paulo Cunha, o Brasil está "encurralado por seu Estado, tanto pela ótica do gasto público quanto pela tributação a ele associada".


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