Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 03, 2006

LUIZ GARCIA Entre nada e tudo

  O GLOBO

 

Ogoverno anunciou outro dia mais uma prioridade para este ano eleitoral, a elas tão propício: a construção de 25 escolas de ensino técnico ou profissionalizante. Iniciativas em ano eleitoral, por mais corretas que sejam, devem ser aplaudidas merecidamente na concretização e não prematuramente na promessa.

Mas nada impede que o caminho certo seja sobriamente estimulado mesmo antes do primeiro passo.

Desde o início do governo Lula, e fora a ênfase no ensino básico (que vinha da administração anterior), o tema praticamente exclusivo da política educacional vem sendo a ampliação do acesso ao ensino universitário. A palavra de ordem é "universidade para todos". Um oximoro perfeito — que poucos percebem porque é certamente mais fácil escancarar as portas do ensino superior, em vez de aperfeiçoar os caminhos que a ele conduzem. Certamente dá muito menos trabalho do que meditar a sério sobre para que serve o ensino superior. Não é paranóia suspeitar que uma administração que se propõe até a oferecer cursos universitários à distância não perceba a importância da escola superior como centro responsável pela produção do saber, tanto quanto da sua difusão.

Na ótica oficial, até agora o fundamental tem sido corrigir, pela criação de quotas, a injustiça histórica que vitima os descendentes de escravos (que a Princesa Isabel libertou corajosamente e abandonou inteiramente). É certamente mais fácil distribuir vagas do que encarar os graves problemas do ensino secundário gratuito. Há alguns bons programas ajudando candidatos ao nível superior a vencer as deficiências do sistema. Quase todos foram criados por ONGs, muitos funcionam bem — mas o número dos beneficiados é pouco mais do que simbólico.

A premissa de que só o ensino superior conduz à realização pessoal e à ascensão social mais atrapalha do que ajuda. Até agora, a principal conseqüência da idéia de que fora da universidade não há gratificação pessoal nem melhoria de vida tem sido a proliferação de fábricas particulares de diplomas (concedidos a todos que agüentam pagar as mensalidades até o fim).

Por isso mesmo, a agora anunciada reabilitação do ensino técnico ou profissionalizante, se levada adiante, pode abrir uma boa estrada para a melhoria do padrão de vida de muita gente; ajudando, portanto, na correção das injustiças históricas. O governo fala em produzir mão-de-obra especializada no agronegócio, no turismo e na pesca. Muito bom. Mas o campo pode ser ampliado e incluir profissionais de nível médio na engenharia, na advocacia, na medicina. Exemplos de outros países não faltam.

Talvez muita gente veja na menção dessas possibilidades um vezo racista, visando a um elenco de paramédicos negros e médicos brancos; advogados louros e assistentes legais (a expressão sequer existe no Aurélio) mulatos, etc. A paranóia também verá nisso um sofisma, uma forma mal disfarçada de fechar as portas da universidade aos despossuídos.

Mas, quem sabe, um pouco de sensatez mostre que o estímulo ao ensino técnico ou profissionalizante significaria abrir novas portas no mercado de trabalho. Algo a meio caminho entre o tudo e o nada de hoje. E, claro, pode conviver perfeitamente com um programa de quotas. Quem diz que um torneiro-mecânico senhor do seu ofício não pode, numa segunda etapa, buscar um diploma superior? Se gostar de ler e de estudar, estará até em situação de vantagem sobre seus colegas que nunca vestiram um macacão.

Se a intenção agora anunciada é para valer, com certeza não será bom negócio para os vendedores de diplomas. Mas, podem apostar, só para eles.

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