Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 03, 2006

Editorial de O Estado de S Paulo

Lula e a sangria do PT

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se revelado um brilhante aluno de Paulo Salim Maluf: a qualquer pergunta que o embarace, responde com evasivas. Na entrevista que concedeu à Rede Globo e foi ao ar no domingo, usou e abusou desse recurso, deixando de responder diretamente ao que lhe perguntava o entrevistador. Mas a tosca esperteza mais revelou do que escondeu.

Por exemplo, depois de afirmar que não daria os nomes de quem o traiu, no caso dos escândalos investigados pelas CPIs, explicou: "É que o conjunto dos acontecimentos soou (sic) como uma facada nas costas de alguém que dedicou parte de sua vida para construir um instrumento político que pudesse ser diferente de tudo o que estava aí." Ora, se ele acusa o golpe, reconhece em outro trecho da entrevista que o PT cometeu "um erro (...) de gravidade incomensurável" e avalia que o partido "sangrará muito" para recuperar a credibilidade perdida, só se pode depreender que esteja impedido pela lei da omertà de nominar as pessoas que levaram o PT e o seu governo ao opróbrio.

E não foi apenas isso. Quando perguntado se sabia dos esquemas de corrupção - mensalão, caixa 2 e aliciamento de votos no Congresso -, saiu-se com outra finta: "Só tem três hipóteses de você saber das coisas. Você está aqui comigo no terceiro andar e tem gente trabalhando no quarto andar (...) tem gente trabalhando nos Ministérios. Nem eu nem você sabemos o que está acontecendo. Então, como é que você sabe? Quando você participa da reunião ou quando alguém que participou te conta ou quando sai uma denúncia." De fato, seria assim se ele não fosse o presidente da República, não tivesse um perfil centralizador, não tivesse controlado a máquina do PT durante anos e não tivesse nomeado para os postos-chaves da administração pessoas de sua inteira confiança - as mesmas que planejaram e executaram os esquemas que as investigações parlamentares e policiais estão desmontando.

O presidente da República é política e legalmente responsável pelo que acontece na administração. Se as coisas chegaram ao ponto a que chegaram - com as finanças de seu partido "terceirizadas", o uso copioso de "recursos não contabilizados", o financiamento de partidos aliados, tudo isso com dinheiro público canalizado pelo valerioduto -, é porque o presidente Lula, no mínimo, abdicou da função intransferível de acompanhar e fiscalizar o que ocorria a seu redor. É por isso - e, por enquanto, só por isso - que são excessivamente elevadas as expectativas do presidente Lula, manifestadas de dedo em riste, que espera receber pedidos de desculpas pela "leviandade" com que estão sendo feitos "julgamentos precipitados" a seu respeito.

Também não deixa de ser revelador o papel que o presidente Lula atribui às CPIs. Na entrevista, ele reconheceu que "a CPI é uma conquista da democracia brasileira. E o PT durante muito tempo se utilizou da CPI para fazer política" - isso, enquanto foi oposição. Como agora o PT é governo e está sob o severo escrutínio das CPIs, o presidente Lula faz ressalvas: "Nós já tivemos outras dezenas de CPIs, em que os relatórios diziam coisas e que depois, na hora da apuração cientificamente feita pela Polícia Federal ou pelo Ministério Público, as coisas não foram como estavam no relatório." Lula, aliás, afirmou que não tomou conhecimento direto do relatório parcial da CPI dos Correios, estando à espera do "relatório conclusivo". É a surrada técnica de ignorar ou negar a realidade - na vã esperança de, com isso, mudar os fatos. O ex-chefe da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu, por exemplo, no mesmo dia em que a entrevista de Lula era divulgada, afirmava a um jornal argentino que o mensalão é um factóide, "uma mentira criada pela imprensa conservadora e a oposição".

Mas nem todos os dirigentes do PT enfiam a cabeça na areia. O deputado Paulo Delgado tem criticado o equívoco cometido pelo partido de não aceitar as instituições, o que o afastou "do horizonte cotidiano do povo". E o secretário-geral da agremiação, Raul Pont, fez comentários ácidos a respeito da entrevista de Lula. "Ao invés de falar que o PT terá de sangrar (para recuperar a credibilidade perdida), o presidente ajudaria mais se informasse quem o traiu. Ele poderia ainda usar sua influência dentro do partido para convencer as tendências que resistem ao processo de investigação de que a apuração interna, independentemente das CPIs, é necessária." Só Lula não vê isso.

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