Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 19, 2006

AUGUSTO NUNES O paraíso dos banqueiros

JB
 

O Brasil é para profissionais, repetia Tom Jobim. Com muita razão. Amadores costumam ficar atordoados com a montanha-russa em funcionamento há mais de 500 anos. Confusos, tentam explicar o inexplicável. Acabam atolados na perplexidade. Profissionais são outra coisa.

Esses reagem com naturalidade aos espantos incessantes nos trêfegos trópicos. Viram o bastante para deduzir que o Brasil, freqüentemente, não faz sentido. Melhor não perder tempo em tentativas de decifrá-lo. Isso, sim, faz sentido.

É complicado examinar pelos critérios da lógica um país que acolheu, com igual serenidade, um imperador garoto e um presidente gagá. Aos 15 anos, Pedro, o Segundo, teria preferido chupar um chicabon (se esse sorvete já existisse) a assinar qualquer decreto. Mas o pai amalucado renunciara ao trono para guerrear contra o irmão na Europa. E o menino virou imperador.

Como a lei proibia que alguém herdasse a coroa com menos de 18 anos, o Congresso resolveu por decreto que Pedro chegara à maioridade. Como continuava com 15, decidiu-se que um regente era indispensável. Enquanto o menino aprendia a enxergar diferenças entre um conde e um duque, mandou no país o padre Feijó, que virara regente. O Brasil é para profissionais.

Em novembro de 1918, a morte do presidente eleito Rodrigues Alves entregou a chefia do governo federal a Delfim Moreira, presidente do Supremo Tribunal Federal. Semanas depois da posse, o interino começou a exibir sintomas evidentes de senilidade precoce. Mais algumas semanas, e Delfim já não conseguia administrar uma padaria. Mas teria de ficar no Catete até a realização da nova eleição, marcada para 28 de julho de 1919.

Que fazer? Nada, decidiram em reuniões sigilosas os figurões da República. Como faziam antigas famílias com patriarcas enfermos, todos fingiram que Delfim Moreira continuava bem de saúde e dando as cartas no poder. Ministros entravam com ar solene no gabinete presidencial, onde simulavam audiências impossíveis: a cabeça do interlocutor estava tão perto quanto o espaço sideral. Foi assim até a eleição de Epitácio Pessoa. O Brasil é para profissionais.

O presidente Juscelino Kubitschek era risonho, festeiro, sedutor, dinâmico, inventivo. Tudo o que o brasileiro pensa ser. Teve como sucessor Jânio Quadros - um carrancudo que nem dançar sabia, amador na arte da conquista, autoritário, errático, doidão. Tudo o que o brasileiro acha que não é.

Em outros países, a parceria entre governos malandramente míopes e bancos que agem como cúmplices de clientes suspeitíssimos costuma produzir paraísos fiscais. No Brasil, a mesma conjunção dos astros criou um paraíso bancário, o primeiro do planeta.

A singularidade começou a desenhar-se nos oito anos da Era FH, quando os barões do mundo financeiro descobriram que são inimputáveis - como as crianças e os insanos - e que bancos não quebram. Diluem-se em fusões, são adquiridos por gigantes multinacionais, socorridos pelo Proer. Mas não quebram. E os responsáveis pelo naufrágio, todos ineptos de carteirinha, aguardam em liberdade a hora da gorjeta bilionária.

Em três anos de governo Lula, o paraíso dos banqueiros conheceu os céus da impunidade. Há dias, a CPI dos Correios informou que não conseguiu informações de alta relevância solicitadas aos bancos Real, Safra e BankBoston. Em notas oficiais curtas e grossas, as instituições desmentiram o pecado. A CPI reafirmou que estão à espera de mais de 40% das explicações. É muito cinismo. E muita malandragem para uma coluna só. Os banqueiros merecem mais espaço. Terão.

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