"Tem de ter televisão"
O ministro do Meio Ambiente explica por que gosta de
aparecer, fala de suas brigas com outros ministros e diz que
não é um "beque de roça" que só sabe negar licenças ambientais
Leonardo Coutinho
Ana Araujo | "Eu mesmo me chamo de midiático. A minha estratégia é essa. Dizem que eu quero aparecer, mas ninguém lê o Diário Oficial. A mídia quer notícia" |
Ao ser nomeado ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc recebeu duas missões: destravar a concessão de licenças ambientais para obras de infra-estrutura e conter o desmatamento da Amazônia. Em seis meses, Minc emitiu quase 200 licenças, pouco menos do que sua antecessora, Marina Silva, fazia em um ano inteiro. Os monitoramentos por satélite da Amazônia indicam que ele está cumprindo a segunda tarefa. Durante a sua gestão, a velocidade de destruição da floresta caiu. Ele alcançou esses resultados fazendo tudo o que Marina Silva abomina. Cedeu, negociou e, sobretudo, apareceu muito na TV. "Sou midiático", diz o ministro, que, aos 57 anos, rompe os protocolos desfilando de colete – e sem paletó – nos salões da capital.
O senhor foi nomeado ministro para agilizar as licenças ambientais para obras públicas?
Tenho essa fama, e ela serviu para que o Lula me chamasse, mas essa não é a minha característica principal. Tenho mais de vinte anos de luta ecológica. Não vou me tornar um facilitador de licenças pura e simplesmente. O que fiz foi eliminar etapas inúteis. Há gente que acha que ministro do Meio Ambiente é uma espécie de beque de roça do desenvolvimento, que sempre deve dizer: "Por aqui, não passa". E, quando passa, ainda tem de pedir desculpa por dar legalmente uma licença. Essa idéia é equivocada. Quando a obra atende aos quesitos do licenciamento, não tem por que travar. Se não dá para dar a licença, não cozinho ninguém. Aviso logo e vou à televisão dizer por quê.
O que a televisão tem a ver com isso?
Em tudo o que eu faço tem televisão. Cheguei à conclusão de que é a visibilidade que faz as pessoas dar importância a um trabalho. Quando era deputado estadual no Rio, fiz uma lei obrigando motéis a vender camisinhas a preço de custo aos hóspedes. Depois, fui até o obelisco da Avenida Rio Branco, um símbolo fálico da cidade, e coloquei nele um camisão de 18 metros de altura. As pessoas entenderam logo a mensagem: camisinha é fundamental.
O senhor se incomoda em ser classificado de "midiático"?
Eu mesmo me chamo assim. Não vejo problema em criar uma situação que chame a atenção da mídia. Quando era deputado, levei a imprensa a um edifício para mostrar uma moradora que, a partir de uma lei minha, garantiu o direito de sua empregada de usar o elevador social. Apareceu a empregada entrando pela porta da frente com o mandado de segurança na mão, tal como uma carta de alforria. No fim, ela deu um beijinho na patroa. Foi o fecho da matéria do Jornal Nacional. A minha estratégia é essa. Dizem que quero aparecer, mas o fato é que ninguém lê o Diário Oficial. A mídia quer notícia? Eu dou notícia.
"Concedi quase 200 licenças em seis meses. Cada vez que uma sai, o sorriso da Dilma vai de uma orelha à outra. Saco sempre a lista de licenças do bolso na hora de negociar mais dinheiro e pessoal" |
O senhor é vaidoso?
A vaidade faz parte. Tenho cabeça de jornalista, entende? Se faço uma coisa boa, quero que as pessoas saibam e compreendam. Fazer o que ninguém entende não vale a pena. Por isso, adoto uma linguagem que torna minhas ações interessantes para a sociedade e para a mídia.
É para tornar tudo mais interessante que o senhor acompanha as apreensões do Ibama?
É importante para os servidores mostrar o seu trabalho lá na ponta do processo: as ameaças, as marcas de balas nos seus carros, as dificuldades de estar no meio do mato, e por aí vai. Quando vou, a imprensa vai atrás e eleva o moral do pessoal. Comigo junto, a manchete é muito maior. Já apreendi pássaros em Pernambuco e destruí fornos de carvoarias na Bahia. Midiático como sou, subi em trator e arremeti contra os fornos que queimavam madeira.
Em junho, o senhor comandou a apreensão de gado em reservas florestais no Pará e, depois, vendeu as cabeças confiscadas por um preço vil.
Esses bois piratas viraram até piada, mas o negócio foi bom. Havia 40 000 cabeças de gado nas reservas. Mesmo com uma infinidade de ordens judiciais, ninguém as tirava de lá. Fomos, tomei 4 200 cabeças e as vendi. O governo só teve prejuízo porque os leilões foram boicotados. Vou fazer tudo de novo: apreender e, em seguida, vender.
Mas o senhor gastou mais com a operação do que arrecadou. Não foi um erro?
O objetivo não era dar lucro, mas combater o crime. As pessoas não podem enriquecer com a devastação.
O senhor vive brigando, por meio da imprensa, com seus colegas de ministério, mas alguns deles dizem que é tudo combinado. É verdade?
É, mas há exceções. A suspensão do asfaltamento da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus é uma. O Alfredo Nascimento (ministro dos Transportes) soube pelo jornal e quis me matar, literalmente. Fui chamado para uma reunião com ele, a Dilma (Rousseff, da Casa Civil) e o presidente Lula. Eles olharam para mim com aquela cara que você pode imaginar. Eu deveria ter avisado, mas era aquilo mesmo: o asfaltamento tinha de parar.
O senhor poderia citar exemplos de brigas que foram apenas teatro?
Já avisei antes o (Reinhold) Stephanes (Agricultura) e o (Edison) Lobão (Minas e Energia) de que ia falar mal deles nos jornais. Dizem que sou errático, porque vou muito adiante e, depois, volto um pouquinho. Mas essa é minha tática. Bato, derrubo forno, leilôo boi pirata, mas não vejo problema em recuar para adequar uma lei à realidade. Vai parecer um auto-elogio, mas sempre fui bom negociador.
O senhor é mesmo muito criticado por voltar atrás em suas posições.
Apanho muito. Fui acusado de voltar atrás no caso da lista dos maiores desmatadores. Independentemente de discutir se a lista era bem-feita ou não, ela evidenciou que não se pode assentar sem-terra na Amazônia. Primeiro, porque floresta não é área improdutiva para fazer reforma agrária. Depois, porque esses assentamentos não são sustentáveis. O resultado do terremoto que fiz não será se perdoei o Incra ou se o ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) olhou torto. O saldo será sentido em dois anos, com direito a capa de VEJA e matéria do Fantástico: vai ser a mudança do modelo de reforma agrária.
Nos anos 60, o senhor foi colega da ministra Dilma Rousseff no grupo guerrilheiro VAR-Palmares. Como era sua relação com ela?
Estávamos na mesma área da resistência, mas não éramos amigos. Só nos cruzamos duas ou três vezes naquele período. Voltei a encontrá-la quando ela foi secretária de Energia do Rio Grande do Sul. Tenho muita simpatia pela Dilma. Às vezes, almoçamos juntos. Eu a aconselho a agarrar a bandeira do desmatamento zero. Isso a fortaleceria politicamente junto à classe média, que é sensível à questão ambiental.
"Colete compõe bem, sobretudo no Rio, e protege as costinhas, se o lugar tem ar-condicionado. Tenho 48 peças de tudo quanto é lugar. Nas ocasiões formais, uso coletes ‘ecochiques’. Com gravata, ficam muito elegantes" |
O senhor acredita que ela o ouve?
Muito, principalmente depois que simplifiquei o licenciamento ambiental para a execução de obras. Não eliminei as tensões do meu ministério com os desenvolvimentistas, mas as amainei. Já concedi quase 200 licenças em seis meses. Cada vez que uma sai, o sorriso da Dilma vai de uma orelha à outra. Isso me credenciou a pedir mais fiscais, parques, recursos. Saco sempre a lista de licenças do bolso na hora de negociar mais dinheiro e pessoal.
O fato de ela ter sido sua colega na luta armada ajuda?
Não, porque fiquei quase dez anos exilado. Permaneci longe da família e dos amigos, mas em uma situação melhor do que a de quem estava na cadeia. Viajei e estudei. Fiquei um ano preso e passaria mais dez se não fosse trocado (em 1970, pelo embaixador alemão Ehrenfried Von Holleben). Mas não me arvoro em herói. Sou de uma geração que resistiu e pagou por isso. Essas discussões ficam extemporâneas quando são individualizadas com questões do tipo: "Fulano torturou ou não?", "Sicrano atirou ou não?". Agora, esse debate voltou.
O que o senhor pensa da revisão da Lei da Anistia?
É totalmente fora de contexto. Não entro no mérito da Justiça, o que discuto é o ganho político desse processo. Não tenho falado publicamente sobre o assunto, mas o que temos de fazer é criar mecanismos para evitar que os abusos se repitam. Por isso, defendo a Lei da Anistia e também a abertura dos arquivos militares sobre a ditadura.
O senhor foi torturado?
Essa foi a parte democrática da ditadura: porrada para todo mundo.
Qual foi o pior momento?
O que eles contaram para o meu pai que tinham feito comigo. Meu pai está vivo até hoje, mas, naquele dia, quase se foi. O que fizeram foge à razão. A tortura é uma coisa inqualificável, mas tem um objetivo – obter informação. Agora, torturar familiar de preso é doença pura.
O que fizeram com o senhor?
Não quero falar sobre esse assunto.
Qual é sua posição em relação à maconha?
Defendo a legalização como forma de combate ao tráfico. A guerra da droga mata mais que overdose. Melhor do que gastar dinheiro com repressão é fazer campanhas para educar. Veja o caso do cigarro. O consumo está caindo no mundo, porque se gasta o dinheiro com campanha, e não com proibição.
O senhor já foi chamado de maconheiro por propor leis em favor de usuários de drogas.
Pois é, porque tento mostrar que o usuário e o dependente são diferentes. O usuário não tem afetadas suas funções físicas, psicológicas e sociais. Já o dependente tem um problema de saúde. O estado deveria ter políticas para os dependentes, e não tem. Os usuários têm suas responsabilidades, mas não dá para apontar o dedo para quem fuma um baseado e dizer que ele é culpado por tudo o que está aí.
O senhor já fumou maconha?
É uma pergunta a que não respondo, por ser absolutamente irrelevante. Não trato de minha vida pessoal. É a mesma coisa quanto aos gays. Quando comecei a legislar em favor deles, perguntaram se eu era gay.
Como o senhor lida com essas insinuações?
Nunca vou responder a elas. Na Assembléia do Rio, diziam até que eu legislava em causa própria. Veja só: quer dizer que tem de ser gay para fazer uma lei em favor deles? Essa é uma forma de amesquinhar a política.
O senhor já disse que é "quase gay". Como se deve entender sua declaração?
Era uma brincadeira do tempo em que se usava a expressão GLS (gays, lésbicas e simpatizantes). Eu dizia que era o S, o simpatizante. Depois fiz tantas manifestações e leis em favor dos gays que podia dizer que era mais que S, era integrante de carteirinha da comunidade. Só isso. Eu e o (governador fluminense) Sérgio Cabral somos co-autores de leis que podem deixar um político estigmatizado em setores mais conservadores. Por isso, brinco que somos parceiros civis. A gente até saiu na capa de um jornal. Estávamos abraçados, na Parada Gay deste ano.
Por que o senhor usa colete?
O colete compõe bem. Dispensa o paletó, sobretudo no Rio, que é quente. Também protege bem as costinhas quando o lugar tem ar-condicionado. Tenho 48 peças de tudo quanto é lugar. Fui à parada gay com um bem desvairado que ganhei do Carlos Tufvesson, gay militante e um dos maiores estilistas do Rio. Nas ocasiões formais, uso coletes "ecochiques". Com uma gravata, ficam muito elegantes.
O senhor se acha bonito?
á estive melhor. No Rio, eu caminhava e nadava. Em Brasília, levo uma vida desregrada, um sobe-e-desce terrível de avião e helicóptero. Não tem corpo que agüente. Agora, só caminho um pouquinho, faço acupuntura e me alongo. Tenho de cuidar ao mesmo tempo do ecossistema do país e do meu próprio, que é meu corpo.