“Ou você diria ao paciente ‘sifu’? Se você chega dizendo a gravidade da doença, você acaba matando o paciente”.
(Lula)
No país dos grampos, quanto mais se escuta menos se ouve. Do alto de espantosos 70% de aprovação, Lula parece surdo ao que contrarie suas crenças. Seria compreensível se não fosse perigoso. Do mesmo modo, a maioria dos brasileiros ignora o estrondo que derreteu os mercados lá fora, ajudou a eleger Obama presidente e começa a ecoar por aqui.
O que era doce acabou. O Brasil aproveitou pouco a mais recente fase de ouro da economia mundial. O pior da crise ainda está por vir. “Yes, we can’t!”. Mas ainda levará um longo tempo para que possamos celebrar a recuperação da economia.
Fazer o quê? Melhor fingir que se trata de uma “marolinha”, como prefere Lula. E com ele concordam 42% dos 3.486 brasileiros entrevistados pelo Datafolha na semana passada. Para 78%, a vida vai melhorar em 2009.
Sinto muito, não vai. O Produto Interno Bruto deve crescer bem menos do que se imaginava, o desemprego aumentar e o salário, diminuir.
Nada que impeça o governo de criar novas despesas ao invés de reduzir as existentes. A hora é de gastar, aconselha Lula. E não esperem que ele se debruce sobre o leito do paciente e diga: “Meu, sifu!”. Isso não se faz. Na verdade, isso um presidente da República não diz, salvo se estiver embriagado pelo próprio sucesso.
O “sifu” não foi uma derrapada de mau gosto nunca antes cometida por um presidente.
No passado, o presidente Fernando Collor avisou aos interessados que tinha “aquilo roxo”. Na campanha eleitoral de 2006, Ciro Gomes, duas vezes candidato a presidente da Republica, mandou um adversário “à puta que o pariu”. Mais recentemente definiu Fortaleza como “um puteiro a céu aberto”. Ao seu estilo, cada um deles prestou tributo ao romano Cícero e ao grego Demóstenes, mestres da oratória.
Os cinco sentidos humanos carimbaram a Era Lula desde o seu início. Em 2002, Lula provou o gosto do poder ao alcance da mão durante uma campanha em que foi o franco favorito o tempo todo — sem falar do Romanné Conti degustado ao lado do publicitário Duda Mendonça.
2003 foi o ano da visão.
O mundo contemplou extasiado a figura do ex-retirante da seca, ex-metalúrgico, ex-líder sindical que finalmente fora eleito presidente do Brasil.
O olfato dos mais sensíveis denunciou que algo cheirava mal no segundo semestre de 2004. O cheiro ruim se impôs dali a um ano, quando o mensalão fez o governo tremer e Lula duvidar da possibilidade do segundo mandato. Foi quando ele ameaçou renunciar à presidência da República se o PT não desse um jeito de impedir que o publicitário mineiro Marcos Valério abrisse o bico como ameaçava fazer. O jeito foi tão bem dado que Valério, hoje preso, permanece de bico fechado.
Em 2006, Lula sentiu que era possível dar a volta por cima. Saiu para o abraço percorrendo todas as regiões do país e ameaçando jogar o povão contra as elites interessadas em derrubálo. Manipulador de primeira, esse Lula. As elites jamais estiveram tão satisfeitas com um presidente.
Dotado de notável tato político, montou uma poderosa aliança e derrotou um oponente autor da proeza de ter no segundo turno menos votos do que no primeiro.
Atingiu o zênite. E sonhou com o terceiro mandato consecutivo.
O episódio do “sifu” é emblemático do ano em que o grampo mais famoso é aquele que só foi transcrito. O governo tapa os ouvidos às críticas da oposição. Essa se faz de surda a quem lhe cobra coerência e uma proposta de governo consistente para o futuro. O delegado Protógenes Queiroz não ouve a Polícia Federal, que não ouve a Agência Brasileira de Inteligência.
Nem o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, ouve o juiz federal Fausto De Sanctis — e vice-versa.
Ao publicar na página do Palácio do Planalto na internet o mais extravagante discurso feito por Lula, o responsável pela tarefa foi bastante feliz ao trocar o “sifu” pela expressão “inaudível”. Nada marca melhor 2008.
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