NOVA YORK. A política anticíclica que o governo vem adotando para tentar superar os efeitos da crise econômica internacional sobre o crédito e o investimento pode até fazer sentido, mas vem fora de hora. Dentro do governo, a idéia foi debatida em diversos momentos, sendo um de seus principais adeptos o senador Aloizio Mercadante, que a continua defendendo.
Mas o que se queria, desde 2004, era aumentar o superávit primário nos tempos de crescimento econômico para que, nos momentos difíceis como os de agora, houvesse dinheiro em caixa para o governo neutralizar uma eventual crise, que acabou chegando com toda a força. A política contracíclica pode ter base teórica, mas não foi preparada adequadamente e chega fora de hora numa economia com queda de arrecadação e gastos crescentes.
A adoção de um superávit anticíciclo chegou a ser discutida, embora o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, parecesse mais adepto de um aumento pura e simples do superávit, sem reduzilo na crise. A arrecadação maior de impostos justificava a medida, mas em vez dela, o governo aproveitou os anos de bonança para aumentar seus gastos correntes.
Da mesma maneira, a criação de um Fundo Soberano começou a ser discutida quando parecia que a riqueza do présal estava ao nosso alcance dentro de um par de anos. Nos dois casos, a arrecadação maior dos impostos entrava nos cálculos para a formação de um fundo de reserva do governo, que no caso do Fundo Soberano poderia também ser aplicado para financiar empresas brasileiras no exterior.
O problema é que o fundo de investimento soberano existe em países que têm superávit em transações correntes e superávit fiscal, como os países exportadores de petróleo.
Com a queda do preço do petróleo tendo inviabilizado, pelo momento, a exploração do petróleo, e com o déficit em conta corrente, o Brasil não preenche as condições técnicas para a criação de um fundo como o que o governo está tentando aprovar no Congresso.
Além do mais, o superávit primário, que já foi de 4,5%, agora foi reduzido para 3,8% para permitir investimentos específicos.
No livro “Como reagir à crise? Políticas econômicas para o Brasil”, do IEPE/Casa das Garças, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga analisa essas questões lembrando que, em nosso caso, “há anos os gastos públicos vêm aumentando de forma pró-cíclica”, focada em gastos correntes e permanentes.
A alternativa de se expandir o gasto público, alerta Armínio, “poderia ter algum impacto sobre a demanda, mas afetaria negativamente o crédito do Brasil”. O ideal, para ele, especialmente quando se espera como agora uma queda na arrecadação, “seria conter a expansão de gastos correntes e focar os recursos que porventura sobrem em gastos de investimento, por definição, temporários”.
Além de manter a meta de superávit primário, Armínio Fraga sugere que o governo tenha cuidado “com projetos de lei que ao invés de corrigir os desequilíbrios fiscais de longo prazo (como a previdência) agravam este problema”, como a aprovação do fim do fator previdenciário, “um perigoso retrocesso, especialmente num momento de crise”.
O ideal, diz ele, seria “caminhar na direção oposta e atacar de frente os problemas estruturais das contas públicas, o que aí sim abriria espaço para alguma flexibilização no curto prazo”.
No seu texto, o ex-presidente do Banco Central questiona a política governamental de usar os bancos públicos para expandir o crédito: “Ao contrário do que se vê no exterior, o sistema bancário brasileiro está bem capitalizado e provisionado.
Se não toma a dianteira e mantém um crescimento acelerado do fluxo de financiamento é porque teme perder dinheiro”.
Ele chama a atenção para problemas com empréstimos ao consumo, que já estariam dando “sinais de exaustão dos tomadores, que vinham se aproximando de seu limite de capacidade de pagamento”.
No caso dos financiamentos do investimento, Armínio acha que a política expansionista do BNDES faz sentido, mas adverte que, “caso o governo exagere na dose anticíclica fiscal e creditícia, correse o risco de se desperdiçar uma possível, rara e não muito distante oportunidade de redução da taxa de juros”.
Esse progresso seria ainda mais impressionante e mais provável, escreve Armínio Fraga, se o Executivo e o Legislativo tiverem a visão e a coragem de abordar de forma definitiva os desequilíbrios de longo prazo do nosso regime fiscal, em especial os da Previdência e do inchaço da máquina pública.
No mesmo livro, os ex-diretores do Banco Central Ilan Goldfajn e Beny Parnes admitem que é “sedutor” reagir à desaceleração doméstica do nível de atividade com uma política expansionista, mas chamam a atenção para o fato de que é preciso “preservar a capacidade de crescimento futuro do Brasil”.
Os autores tocam em um ponto interessante: dizem que “apenas num cenário extremo de depressão mundial, onde o ajuste via política monetária não fosse suficiente, recomendaríamos a redução do superávit primário como instrumento contracíclico de política econômica”.
Nesse cenário mais pessimista, dizem os autores, a execução da política fiscal deveria ser baseada na redução da meta de superávit primário para: 1 expansão do investimento público em infra-estrutura de forma a aumentar a oferta agregada e a produtividade total dos fatores; 2 e/ou redução nos impostos do setor corporativo, melhorando as expectativas de rentabilidade, incentivando a manutenção do emprego, o crescimento do investimento privado e reduzindo a demanda por crédito.
Mantendo os gastos com a máquina pública, e incentivando, no mínimo pelo exemplo, novos e continuados gastos, o governo Lula não pode estar esperando um ambiente tão hostil, em que a “marolinha” vire uma “tsunami”.
Entrevista:O Estado inteligente
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